São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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Alternativas ao déficit

CELSO PINTO

O mercado tem reagido com preocupação aos déficits comerciais crescentes, mas visto com tranquilidade as alternativas do governo para enfrentá-los. Existem, contudo, algumas complicações a considerar. Há consenso que o governo não vai recorrer a uma maxidesvalorização cambial, ou a uma aceleração drástica no ritmo de desvalorizações. Por uma razão básica: seguir esse caminho com um déficit fiscal nominal de 6% do PIB e com a economia em curva ascendente teria uma impacto inflacionário muito forte.
Outra alternativa seria ampliar as barreiras, tarifárias e não tarifárias, às importações. Desde o início do governo Fernando Henrique Cardoso, praticamente todas as medidas na área tarifária foram na direção de mais proteção, dos automóveis aos têxteis e brinquedos.
Existem, contudo, duas restrições. Uma é que a abertura externa foi, em larga medida, responsável pelo sucesso antiinflacionário do Plano Real e seria arriscado voltar muito atrás. Outra é que o Brasil está amarrado a dois compromissos: as tarifas acertadas no âmbito do Mercosul e junto à Organização Mundial de Comércio. Os recuos comerciais foram montados, até agora, nas brechas dos dois acordos, mas a margem de manobra é pequena.
Logo, segue o raciocínio consensual, a alternativa mais provável e eficaz seria desaquecer a economia e, com isso, as importações. Além disso, o governo poderia, também, apertar as regras de financiamento das importações, um fator muito importante por trás do aumento das compras externas nos últimos anos.
Existem, contudo, alguns limites.
Quando se fala em esfriar a economia, argumenta-se que o governo evitaria elevar ainda mais os juros básicos, que definem o custo da dívida governamental. Mais provável seria restringir o crédito, especialmente ao consumidor, e elevar a parcela de recolhimento compulsório dos bancos junto ao Banco Central. Não seria novidade: em larga medida, foi exatamente o que o governo fez em 94/95, quando os juros ao consumo e à produção subiram inúmeras vezes mais do que os juros básicos.
A grande diferença é a situação hoje do sistema bancário e dos devedores, como alertam economistas como Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central. A porcentagem de empréstimos em atraso e em liquidação nos bancos, do início do Plano Real até junho deste ano, subiu de 12% para 32% no caso do setor industrial, de 7% para 28% no caso do setor comercial e de 6% para 26% para pessoas físicas. Isso quer dizer que, em média, os bancos continuam a carregar uma inadimplência em torno de 30%, comparável a níveis históricos entre 5% e 10%. Qualquer alternativa de apertar o crédito ou elevar o compulsório significará aumentar os juros do tomador final. A primeira rodada de aumento gerou uma crise bancária ainda mal terminada. Uma nova rodada seria aplicada sobre um sistema fragilizado.
O grande problema de apertar os financiamentos à importação, por sua vez, é que ajudaria a balança comercial, mas prejudicaria o ingresso de capitais. Pastore estima que hoje cerca de 60% das importações têm algum tipo de financiamento externo. Outros cálculos colocam este financiamento entre 30% e 40% do total.
Com as importações em mais de US$ 50 bilhões ao ano, em qualquer hipótese é um valor muito relevante. Restringir o financiamento cortaria as importações, mas poderia acabar afetando o nível de reservas.
Isso não quer dizer, obviamente, que não há alternativas, mas que elas terão que ser bem dosadas. O governo conta com a reação positiva das exportações aos vários estímulos definidos recentemente. Esse seria, é claro, o melhor cenário, mas, por enquanto, é uma hipótese a conferir. O impacto maior de algumas destas medidas se dará a médio prazo e a dúvida é saber se será possível chegar lá sem alguma correção de rumos no meio do caminho.

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