São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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Reeleição e reforma política

JOÃO ALMEIDA

Com a instalação da Comissão Especial da Reeleição, o problema candente da reforma política entra em seu segundo momento. O que há de novo agora?
Dois pontos de fundamental importância surgem. O primeiro é que a iniciativa, desta vez, é do Poder Executivo. O segundo é que, a despeito do que se tem dito em contrário, estamos sob o risco de não ser feita a reforma política indispensável aos reais interesses da democracia brasileira e do país.
No início da atual legislatura, o Executivo propôs ao Congresso Nacional reformas das áreas administrativa, econômica e previdenciária, descuidando-se da política. Instigada por nós, a Câmara dos Deputados tomou, então, a iniciativa de instalar uma comissão especial para tratar do assunto. Essa comissão desenvolveu intenso trabalho nos meses subsequentes, definindo claramente seus objetivos e alinhando os vários partidos sobre os temas em pauta.
A reforma pretendia, entre outros, os seguintes objetivos: 1) dar estabilidade ao processo político e ao exercício do governo; 2) facilitar a formação de maiorias estáveis; 3) fortalecer as instituições do sistema democrático -em especial os partidos; 4) qualificar o processo político eleitoral; 5) garantir consistência e coesão na atuação partidária; 6) privilegiar a força dos partidos sobre a dos indivíduos; 7) "desjudicializar" a vida político-partidária; 8) valorizar a convivência partidária; 9) valorizar propostas e programas, acima do carisma e da bravata; 10) reduzir os custos das eleições; 11) controlar a influência do poder político (derivado do exercício do governo) e do poder econômico nas eleições; e 12) coibir a fraude eleitoral.
Relacionadas as matérias de caráter constitucional, ordinário e complementar, chegamos a elaborar propostas específicas para cada uma delas. Essas propostas geraram muita discussão dentro e fora da Câmara, com grande cobertura da mídia nacional.
Mas, na hora de finalizarmos os procedimentos, faltou-nos força política. Faltava, enfim, o interesse das lideranças para fechar o assunto. Faltava ainda o interesse do presidente da República. Mas não fomos de todo frustrados naquele primeiro momento. Alguma coisa se fez. Produzimos a lei para as eleições deste ano e a nova lei dos partidos, com valiosos aperfeiçoamentos de nosso sistema político partidário.
Agora voltamos a tratar do assunto, provocados e dirigidos, desta feita, pelo interesse do Poder Executivo na discussão da reeleição. No primeiro momento, essa questão foi posta no contexto de uma reforma sistemática. Agora, propõe-se pura e simplesmente a reeleição. Estamos, assim, diante de uma mudança de perspectiva e de método cuja consequência poderá ser o aniquilamento da reforma política necessária.
Mais uma vez, portanto, está na mão da Câmara dos Deputados fazer com que essa proposta nos conduza ao aperfeiçoamento institucional desejado. Para isso, é preciso que voltemos a tratar ao menos de: fidelidade partidária, cláusula de desempenho, financiamento das campanhas, segundo turno das eleições, enxugamento do quadro partidário, controle do poder político e do poder econômico sobre as eleições, influência das pesquisas de opinião sobre o processo eleitoral e o tema maior da comunicação social, pois, dado o sistema de comunicação existente, anda difícil promover candidaturas com um mínimo de autonomia e independência.
Valem, afinal, dois alertas. O tratamento isolado da reeleição não pode ser tido como esforço de aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras. Essa proposta precisa ser discutida em sua conotação real: um projeto de poder. E tudo isso precisa ser examinado de forma clara, explícita, democrática. Temos de examinar onde fica o interesse público com a proposta em tela e como estarão os vários agentes envolvidos ou comprometidos com ela.
O outro alerta é que será preciso levar em conta o funcionamento sistêmico de todos os pontos em questão. Partidos, eleições, duração de mandatos, tudo isso constitui um sistema. Não se pode mexer em nenhum deles sem repercussões nos demais.
Se vamos sair de um sistema que, apesar de tudo, tem um mínimo de consistência interna, precisamos ir para outro que também tenha consistência. Mexer num ponto sem levar em consideração os demais pode levar à criação de um monstrengo que ninguém saberá como funciona ou o que é.

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