São Paulo, terça-feira, 19 de novembro de 1996
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De Pinóquio a Le Pen

EDUARDO JORGE
DE PINÓQUIO A LE PEN

(...) "Mata, Maluf, mata eles!" De uma burguesa do Jardim Paulista, recolhido pelo jornalista Bob Fernandes (Carta Capital, 18/9/96)

No dia 13/10 realizaram-se eleições na Áustria. Os seus resultados podem servir de alerta e reflexão para nós, cidadãos brasileiros. O Partido Conservador tradicional recebeu 29,6% dos votos. O Partido Social Democrata, representante da esquerda, além de ser um dos mais antigos no movimento operário e socialista mundial, mereceu 29,1% dos votos. Isso representou uma queda abrupta, neste que tem sido o principal partido austríaco do pós-guerra.
O fato que chama a atenção é o crescimento vertiginoso do partido direitista, do sr. Joerg Haider, que colheu 27,6% dos votos. Seu discurso é o do combate à "globalização", do antagonismo à União Européia e do nacionalismo xenófobo e populista, com exacerbação dos preconceitos e ressentimentos.
No mesmo final de semana, o Partido Socialista Francês e os defensores da integração européia sofreram derrotas em uma eleição distrital isolada à qual concorreu um ex-ministro de Mitterrand, dos mais conceituados. Aí, também, a ultrapassagem foi feita pela direita antieuropéia.
O que isso tem a ver com nossos segundos turnos municipais e, particularmente, com o embate na capital de São Paulo?
É que o sr. Paulo Maluf, político conservador, oriundo da ditadura militar e que até hoje se notabilizou por suas bravatas, mentiras, autoritarismos, relações promíscuas com grandes empreiteiras e como fenômeno muito próprio desta metrópole pródiga em acolher populistas de direita, passa por uma mutação que o transforma de um pinóquio paulista e perverso em um monstruoso Le Pen brasileiro (Le Pen: líder da ultradireita francesa, nacionalista extremado, racista e perseguidor dos trabalhadores estrangeiros e imigrantes).
Será paranóia de um radical que há 25 anos se refugiou em São Paulo?
Invoco, então, o testemunho deste expoente do chamado "neoliberalismo brasileiro" que é Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), convidado e homenageado pela Fiesp e que teve sua festa roubada pelo sr. Paulo Maluf, que, ao seu lado, na mesa principal, atacou duramente a política econômica do atual governo federal e a sua relação com o capital estrangeiro. Apresentou-se como o campeão do empresariado e do operariado nacional, contra a "abertura/arrombamento" e contra o "favorecimento" dos empregos de alemães, japoneses, argentinos etc. Acredite se quiser...
Salta aos olhos que, além da estreitíssima vinculação com os grandes grupos de empreiteiras nacionais, ele passou a se preocupar em criar factóides e programas que, de alguma forma, abram cunhas nos extratos populares, mesmo que seja com fortes doses de demagogia e ilusionismo de marketing. É o caso do "candidato negro", do "plano milagroso" para a saúde ou da "solução final" para os favelados.
A última disputa política nacional se deu em 1994, entre um projeto de centro-direita (PSDB/PFL) e um projeto de esquerda (PT) com pretensões a centro-esquerda.
Hoje aparece um terceiro sujeito político, que é de direita, mas que se apresentará fantasiado com uma série de bandeiras deformadas e roubadas de discursos alheios.
Será o nacionalismo rançoso evoluindo para uma xenofobia para inglês ver. Será a exploração demagógica das contradições entre o operariado e empresariado nacional e o operariado e empresariado de outros países. Será o clientelismo populista como opção a uma política de cidadania e universalização de direitos humanos e sociais. Tudo isso azeitado por muito dinheiro, muita mídia eletrônica e pelo pouco prestígio de que a democracia política goza em vastos segmentos da população brasileira.
Assim, foi uma cegueira, uma irresponsabilidade a postura das outras forças políticas na disputa decisiva de São Paulo em 15 de novembro de 1996.
Enquanto isso clamam, roucos e aparentemente no deserto, alguns visionários de uma aliança de centro-esquerda que nunca vem.
O que fez o povo brasileiro para merecer esses políticos e essa provação?

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