São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
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O subsolo do mundo

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - O planeta está em reforma. Aliás, não é de hoje. Vem desde a queda do Muro de Berlim, desde a implosão do império soviético.
Está meio fora de moda a imagem criada na década de 50 por Alfred Sauvy, o economista francês que dividiu o globo em um condomínio de três andares: o Primeiro Mundo capitalista, o Segundo Mundo comunista e o resto -ou Terceiro Mundo.
Houve quem afirmasse que a edificação de Sauvy sumira, soterrada pela avalanche da globalização. Dela só restara o Primeiro Mundo triunfante, além de um monturo de cinzas. Trata-se de um engano.
A rigor, a edificação de Salvy mantém-se de pé. A diferença é que alguns condôminos desceram de patamar. Outros, sem espaço, foram enfiados no porão.
É nessa espécie de subsolo do planeta que se encontram nações como Zaire, Burundi e Ruanda. Ali, hutus e tutsis matam-se uns aos outros.
É nessa garagem de guardar tralhas que se encontram comunidades como a do Timor Leste, invadida pela Indonésia há 21 anos.
No mundo de hoje, parece não haver espaço para miseráveis -indivíduos ou nações. Os líderes do Timor precisaram pendurar um Nobel no pescoço. Antes, não havia quem os ouvisse. A África tribal parece irremediavelmente condenada à morte.
Quando o Iraque marchou sobre o Kuait, o mundo pegou em armas e montou acampamento no Oriente Médio. Havia uma plantação de torres de petróleo a defender.
Agora, no instante em que hordas de negros são massacradas diante das câmeras de TV, prefere-se ver a cena desde o sofá da sala de visitas. No momento em que o Timor grita, prefere-se simular surdez. A Indonésia é ótima compradora de armas.
É como diz Caetano Veloso: "Alguma coisa está fora da ordem. Fora da nova ordem mundial". Não vê quem não quer.
Talvez falte ao novo mundo uma boa dose de valores éticos, de princípios morais.

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