São Paulo, quarta-feira, 20 de novembro de 1996
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A fome em questão

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Mais uma vez, discute-se em nível internacional o problema da fome. Em Roma, lideranças de nações ricas e pobres, hipocritamente presididas pelo papa, brandiram estatísticas e projetos para diminuir o número de famintos -uma vez que admitem ser impossível dar o que comer a todos.
Nenhum desses líderes, nem mesmo o papa, tem a capacidade de multiplicar pães e peixes.
A alternativa do milagre seria um programa de justiça social tão radical que precisaria de um milagre mais espetacular para ser aceito por todas as nações.
Comer é ainda a necessidade número um do animal homem. Da caverna ao Mc Donald's, a história no fundo é a sucessão de lutas para aproximar cada boca a um pão -e dizer que nem só de pão vive o homem é uma bela frase, mas foi desmentida pelo próprio frasista. Vendo a multidão faminta, ele disse outra de sua frases: "Misereor super turbam": tenho compaixão deste povo.
É impressionante a prodigalidade com que governos -manobrados pela classe política- estabelecem prioridades assassinas. Para ficarmos no caso brasileiro: as classes dirigentes, incluindo políticos, empresários e interessados de vários tamanhos e feitios, só estão pensando "naquilo": na reforma constitucional que aprove a reeleição do presidente.
Essa energia, concentrada em tão alto grau e vinda dos patamares superiores da sociedade, poderia ser dirigida para outro tipo de reforma, a agrária, que o tempo e o uso tornaram folclórica.
Não faz muito, dona Ruth e Betinho promoveram, à maneira deles, uma passeata aqui no Rio para recolher arroz e alimentos. Formaram-se montanhas de sacolas e a mídia comprometida com o governo exaltou a façanha. Em outras partes do mundo, periodicamente surgem Betinhos e donas Ruths com a mesma solução caridosa.
Acho que eles podiam ter ido a Roma, ensinar como acabar com a fome no mundo.

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