São Paulo, quinta-feira, 21 de novembro de 1996
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A violência das portas de banco e as notas de R$ 50

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Você se lembra da época em que os bancos eram divertidos? Pelo menos na Gringolândia, onde tinham o hábito de presentear seus novos clientes com torradeiras elétricas e rádios.
Eu me lembro de um banco pequeno num Estado dos EUA caracterizado por uma cultura tranquila, como a Bahia, que nunca acertava. Você trazia uma torradeira ou um rádio e ELES te davam dinheiro.
Tio Dave é um homem muito feliz, porque o banco onde ele guarda seu suprimento limitado de dinheiro saiu nas páginas amarelas da "Veja" nesta semana.
A entrevista foi feita com aquele que a "Veja" (que nunca erra) descreve como "o patriarca" do segundo maior grupo empresarial privado no Brasil.
É fácil entender como esse cavalheiro conseguiu ser agraciado com o título de patriarca. Ele passa a maior parte das horas do dia lendo e recortando artigos de jornais, revistas, "newsletters" e publicações semelhantes. Depois, passa o resto de seu tempo livre enviando esses recortes para as múltiplas mesas de seus múltiplos executivos.
Estou certo de que você, Joãozinho, vai concordar comigo quando afirmo que o dia de trabalho do Patriarca deve ser longo e exaustivo: ler e recortar, depois ler mais e recortar mais.
Assim, não surpreende que esse grande empresário seja fotografado quase sempre usando aqueles óculos grandões de aro preto.
Na verdade, é um pouco surpreendente que não vejamos mais fotos do líder estudioso pingando colírio em seus olhinhos cansados de tanto trabalhar.
Na entrevista acima mencionada, pude aprender alguns detalhes fascinantes do funcionamento interno do mundo dos grandes bancos e da administração do poder.
O Patriarca declara especificamente que um banco é capaz de mudar completamente em menos de dois anos. Também explica que, embora seja totalmente ativo (com apenas 73 aninhos de idade), ele deixa o dia-a-dia do banco a cargo de seu filho.
Isso dito, vou falar dos probleminhas modestos que eu mesmo tenho com o banco de Patriarca e filho.
Será que o Patriarca ou seu filho estão sabendo das novas e enganosas portas que andam instalando nas agências do banco?
Tratam-se de espertas portinhas rotatórias feitas de metal e que parecem vir equipadas com idéias hi-tech próprias. Isso significa que, quando você está com pressa, a porta rotatória de repente (e sem nenhum aviso prévio) se fecha em cima de você.
Posso assegurar, baseado em experiência própria, que isso traz vários resultados, todos desagradáveis.
Em primeiro lugar, a porta induz uma instância rápida de choque nasal frontal, um pouco parecido com o choque pescoçal incorrido quando alguém bate no seu carro por trás. Ou seja: seu nariz desprotegido se choca com a porta.
Trata-se de uma violência extremamente incômoda e inesperada em meio ao que era para ser uma visita muito simples ao lugar que guarda (e que, como veremos adiante, não gosta de abrir mão de) sua minúscula provisão de "moolah".
Em segundo lugar, depois que tio Dave enxuga as lágrimas -induzidas pelo choque- dos olhos, ele discerne a figura de um guarda armado do outro lado da porta, agora emperrada.
Ignorando o sorrisinho maroto que o guarda não procura esconder, percebo que estou trancado dentro de uma porta que deixou de ser rotatória.
Filas de clientes estão se formando rapidamente de cada lado da porta, e nenhum deles parece estar achando graça na situação. Enquanto isso, o guarda gesticula animadamente em minha direção.
O pouco que sobrou da minha mente começa a funcionar intensamente, fugindo do meu controle. Talvez (imagino) o guarda me dê um tiro, por simples desconfiança, desse modo obtendo do Patriarca um aumento salarial.
Pior ainda: talvez comece um incêndio dentro do banco, onde, por um instante desavisado, eu pensei que queria estar.
Lançando um olhar rápido para dentro do banco, calculo que o grupo de clientes que passam seu horário de almoço ali caberia folgadamente dentro do avião que mudou de idéia repentinamente quando decolava de Congonhas.
Quando o Patriarca, seu filho e seus muitos executivos tentassem descobrir o motivo desconhecido da tragédia incendiária bancária, não encontrariam nenhuma caixa-preta com respostas gravadas.
Só encontrariam o cadáver carbonizado de tio Dave, preso dentro de uma porta rotatória trancada, retorcida.
Deitado no lado interno, seguro, da mesma porta, estaria o cadáver igualmente carbonizado de um guarda armado, ostentando um sorriso enigmático no que restou de seu rosto irreconhecível.
A cédula de R$ 50
O que chamou minha atenção no domingo foi a parte que dizia que um banco PODE mudar em menos de dois anos.
Eu, de minha parte, confesso que sou zero à esquerda quando se trata de planejamento. Geralmente me vejo obrigado a sair para comprar uma escova de dentes para poder escovar os dentes de manhã.
Isso significa que todo final de semana faço uma visitinha ao banco automático da conveniente agência local do estabelecimento dirigido pelo Patriarca.
Os bancos em São Paulo são uma maravilha da modernidade. Nosso sistema bancário já foi completamente automatizado.
Isso quer dizer que agora, quando vou procurar uma máquina de atendimento bancário automático, num domingo qualquer, a tela pode me avisar sozinha: "Fora de operação. Favor dirigir-se à máquina ao lado".
Quando me dirijo à máquina ao lado, o avanço da tecnologia digital me permite ler outra mensagem, idêntica à primeira.
Eu e meu banco estamos jogando a "brincadeira do dinheiro acabou" desde que o Patriarca instalou as novas máquinas automatizadas inteligentes.
Todo final de semana eu passo meu tempo andando de agência em agência, numa romaria monótona, em busca do que acabei acreditando, tolamente, ser MEU dinheiro.
Agora há uma variante na minha diversão de final de semana: a cédula de R$ 50.
O pessoalzinho divertido que coloca o dinheiro na máquina automática agora a deixa repleta apenas de notas de R$ 50.
Tio Dave tem a sensação de que o Patriarca, seu filho e os executivos que trabalham para seu filho têm a sensação de que o mundo brasileiro é feito à sua imagem despreocupada.
O repórter da "Veja" só se esqueceu de fazer uma pergunta:
"Sr. Patriarca, quando foi a última vez que o senhor tentou pagar um cafezinho num bar de esquina com uma nota de R$ 50?"

Tradução de Clara Allain

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