São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 1996
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Governo, petróleo e álcool

LAMARTINE NAVARRO JR.

Recentes estudos realizados por empresa de consultoria de grande confiabilidade internacional (Petroconsultants), especializada na área da evolução da oferta de petróleo, concluíram, aplicando a mais avançada tecnologia disponível, que no ano de 1999 a humanidade terá consumido a metade de todo o petróleo economicamente aproveitável formado no globo terrestre.
O petróleo então remanescente, cujo volume será da ordem de 875 GB (bilhões de barris), não será mais suficiente para atender a demanda, e, a partir do ano 2000, a razão de extração será no máximo de 2,7%, resultando em volumes anuais declinantes até o ano 2050, quando tudo estará terminado.
Para complicar ainda mais o cenário do abastecimento no início do próximo século, 64% de todo o petróleo, ou seja, 556 GB, estará concentrado no Oriente Médio.
A América Latina terá pouca influência, pois possuía 11% do total mundial, e, no ano 2000, seu volume residual será de somente 81 GB.
Chegamos agora ao nosso Brasil, que possuía 20 GB, dos quais teremos consumido 6 GB até o ano 2000, restando, portanto, 14 GB, que representam modestos 17,3% do disponível na América Latina. Resumindo a posição brasileira, se a produção atingir a auto-suficiência nos próximos quatro anos, e, a partir daí, cessarmos de importar, o petróleo nacional terminará no ano 2015.
Se mantivermos a importação de cerca de 50% da nossa demanda, o que significará manter uma taxa de extração de 5,7%, será possível estender nossas reservas para que terminem junto com o resto do mundo, no ano 2050.
Conclui-se dessa simples análise que não existe nenhuma razão para que sejam mantidos altos níveis de investimento em exploração para descobrir hoje o remanescente de petróleo que somente será extraído amanhã, na primeira metade do próximo século.
Da mesma forma, carece de sentido, nesta altura, quando já descobrimos 80% do petróleo existente, liberar a sua exploração para empresas multinacionais, que certamente pressionarão seu consumo e exportação para justificar os investimentos.
O que realmente faz sentido e onde deveríamos concentrar nossos investimentos são os dois seguintes programas:
- criação de condições que viabilizem contratos de longo prazo de importação de gás natural, com maior oferta na América Latina e que poderia substituir, nos próximos anos, cerca de 500 mil barris/dia de petróleo.
- Expansão da produção de combustíveis alternativos renováveis. A manutenção do Proálcool nos níveis atuais de oferta, de 220 mil barris/dia equivalentes de petróleo, possibilitaria, na hipótese inicial de auto-suficiência, aumentar em três anos a vida do petróleo nacional. Além disso, o simples retorno da produção de veículos populares a álcool possibilitaria facilmente a obtenção de três anos adicionais, resultando, assim, em uma oferta de álcool da ordem de 500 mil barris/dia equivalentes de petróleo, o que teria efeitos altamente positivos na nossa posição relativa no início do próximo século.
Por tudo isso, é difícil compreender por que o governo até hoje não definiu uma política objetiva que garanta a continuidade e a expansão do Proálcool.
Ao contrário, determinou por meio da portaria nº 64 do Ministério da Fazenda a liberação dos preços a partir de 1º de janeiro de 1997 e, por meio da portaria nº 114 do Ministério das Minas e Energia, a suspensão da Fupa, parcela da estrutura de preços que hoje permite o equilíbrio entre álcool e gasolina.
Essas medidas se mostram ainda mais incoerentes se observarmos que o projeto de lei de flexibilização do petróleo, proposto pelo governo e em fase de análise no Congresso Nacional, estabelece o prazo de três anos para liberação dos preços dos combustíveis derivados do petróleo, negando-se assim isonomia de tratamento ao combustível renovável.
A liberação extemporânea e intempestiva do preço do álcool, único combustível que exige legislação fiscal especial para sua viabilização em termos empresariais, significa, no médio prazo, a extinção do Programa Nacional do Álcool.
Verifica-se, portanto, que, no limiar do fim da era do petróleo, o Brasil, que encantou o mundo antecipando em 20 anos a solução estratégica dos combustíveis renováveis, retrocede e entra na contramão da história, reafirmando nossa triste condição de país do Terceiro Mundo.

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