São Paulo, sábado, 23 de novembro de 1996
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O significado de privatizar o sistema elétrico de SP

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

Eletricidade é um fator vital para toda e qualquer atividade humana. Dela dependem as comunicações, a produção industrial, a conservação dos alimentos, a iluminação das residências e das ruas, o funcionamento das instituições de pesquisa, das casas de espetáculos, dos hospitais, enfim, tudo. Energia elétrica é praticamente sinônimo de progresso, de conforto, de informação e de autodeterminação.
O moderno sistema elétrico paulista começou a estruturar-se de fato em 1951, com a criação do Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica). Na época, os grupos privados que controlavam o setor não realizavam os pesadíssimos investimentos necessários para modernizar o sistema elétrico e capacitá-lo para alimentar o desenvolvimento urbano e a expansão industrial.
O governo foi, então, forçado a investir grandes somas de recursos públicos na implantação das empresas regionais de geração elétrica, englobadas em 1966 com a criação da Cesp. A partir daí, ampliou-se em mais de dez vezes a capacidade do sistema, até atingir, nos dias de hoje, uma potência conjunta da ordem de 11 mil mW (o dobro da capacidade de um país como o Chile).
Posteriormente, o governo assumiu também a distribuição, pois a Light e a CPFL (que eram privadas) pouco se interessavam pela qualidade dos serviços e não investiam nos sistemas.
Como se vê, a história deixa claro que, em São Paulo, só o poder público teve capacidade para instalar e operar um sistema elétrico à altura do desenvolvimento estadual.
Nos países desenvolvidos, as atividades diretamente rentáveis são, em geral, privadas, limitando-se o Estado a serviços públicos, que são indispensáveis para a sociedade (e para a economia), mas não oferecem retorno lucrativo aos investidores.
Existe, contudo, uma diferença, de origem, por assim dizer, cultural, entre serviço público e atividade diretamente rentável. Em países como os EUA e, mais recentemente, o Reino Unido (com resultados muito criticados pelos consumidores), os serviços de eletricidade (baseados em geração térmica) são considerados diretamente rentáveis e explorados pela iniciativa privada. Já na França, no Canadá e na Suíça, por exemplo, tais serviços são controlados pelo Estado, por serem considerados de interesse público.
Por outro lado, mesmo em países absolutamente privatistas, como os EUA, o governo controla as bacias hidrográficas, de modo que as usinas hidroelétricas são estatais. Isso não surpreende, pois as represas requerem pesados investimentos, desinteressantes para o empresário privado, não obstante sejam indispensáveis para a coletividade. Basta lembrar as obras de regularização de vazões e os projetos de proteção à flora e à fauna.
Um dos motivos alegados para a privatização do sistema elétrico paulista (que é hidroelétrico) seria a necessidade de gerar riquezas e criar novos empregos. É um equívoco, pois de nada adianta transferir a propriedade daquilo que já foi construído, criou os empregos que poderia criar e está funcionando e produzindo muito bem.
Na verdade, privatizar o sistema elétrico significa alienar o controle de um poderosíssimo monopólio natural em favor de grupos privilegiados, que desejam apenas expandir seus próprios lucros.
Como vimos acima, a eletricidade alimenta praticamente todos os ramos de atividade. E, como todos pagam tarifas, o sistema elétrico é, em si, um arrecadador natural de parte da renda dos demais setores da economia. É evidente que a sociedade não será beneficiada com a privatização de um serviço público tão vital.
Para superar a crise financeira que ameaça as concessionárias de eletricidade, seria mais lógico (e muito mais justo, perante a sociedade) que se criasse uma espécie de Proer para sanear as empresas, sem esquecer de dar-lhes administração transparente, eliminando as ingerências políticas, o empreguismo e, sobretudo, a corrupção, que certamente seria agravada com a privatização.

Joaquim de Carvalho, 61, engenheiro do setor elétrico, é consultor para assuntos de energia. Foi coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento (governos Castello Branco, Costa e Silva e Médici).

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