São Paulo, sábado, 23 de novembro de 1996
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O maior crime da terra

ELEONORA DE LUCENA

São Paulo - Eu sempre achei que fosse lenda. A história faz parte do folclore de Porto Alegre. É tão repugnante que era contada, de geração em geração, em tom de piada.
Trata-se do caso de um sujeito que matava homens e mulheres e fazia linguiça dos corpos das vítimas. Depois vendia o produto pela cidade, especialmente nas casas dos ricos e das autoridades.
Descubro agora que a história tem base na realidade. Aconteceu entre 1863 e 1864, na rua do Arvoredo, em Porto Alegre. O nome do sujeito era José Ramos, um catarinense tido como alemão.
Ele negou os crimes até morrer. Mas várias testemunhas contaram detalhes das mortes, sempre feitas a machadadas. Ramos ficou preso, houve inquérito policial, mas a conclusão da Justiça sobre o caso é nebulosa: sumiram várias partes do processo, e as provas do crime nunca foram encontradas.
Hoje, quem reconstitui a história da linguiça humana é o historiador Décio Freitas, no livro "O Maior Crime da Terra". O título reproduz enunciado do jornal francês "Le Temps", que registrou o fato à época.
Nos jornais de Porto Alegre, nada foi publicado. O caso foi varrido para debaixo do tapete. Era horrível demais. Ninguém queria lembrar. Quando o sujeito foi preso, quase houve linchamento. Passado o tempo, todas as tentativas de contar a história foram abafadas.
Na Europa, Charles Darwin soube do episódio. Escreveu em seu caderno de anotações um curto comentário sobre o canibalismo registrado em Porto Alegre. "Há um chacal adormecido em cada homem", assinalou Darwin. Será?
Pode ser. O fato é que continuamos colocando coisas desagradáveis debaixo do tapete. Não gostamos de ver pessoas pedindo esmola, das imagens da África famélica, das filas de desempregados. Dos rostos tristes, sujos e malcheirosos.
Um historiador do próximo século tentará nos entender.

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