São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
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O sigilo bancário

MARCELO MOSCOGLIATO

Sempre que se fala do sigilo de operações financeiras, no imaginário brasileiro reside a Suíça como exemplo de país desenvolvido que se utiliza do instituto. Entretanto, não se trata de receita universal. A situação da Suíça é peculiar. E é sabido que ela atrai grandes somas de capitais estrangeiros pela sua estabilidade política e econômica.
Por sinal, quando se fala de sigilo, em situação também peculiar é possível encontrar outro país europeu muito desenvolvido. A Suécia, onde as declarações de rendas são públicas. Qualquer pessoa do povo pode consultar o "taxering kalender" -livro anual que publica dados identificadores dos contribuintes e suas declarações de renda.
Agora, voltando-se para a nossa realidade, é possível observar que, com exceção de alguns círculos acadêmicos e/ou políticos, o sigilo não é muito discutido em nossa sociedade.
Se o cidadão brasileiro refletir a respeito dos altos índices de sonegação fiscal e de alguns fatos recentes coloridos por "contas-fantasmas", operações de crédito, balanços financeiros fraudados etc., compreenderá a extensão do problema posto ao redor do sigilo.
Atualmente, o tema está sendo tratado pelo Executivo e pelo Congresso Nacional. Pela imprensa escrita, é possível acompanhar os fatos relativos à reforma tributária pretendida pelo Executivo e as negociações no Legislativo para o acesso do fisco a informações financeiras. Outrossim, a questão está sendo tratada nos trabalhos e propostas do Ministério da Justiça para o combate ao crime organizado e à "lavagem" de dinheiro espúrio.
Entretanto, sempre há menção à "quebra do sigilo bancário". Há uma impropriedade na expressão, pois em nosso ordenamento jurídico a "quebra do sigilo" é crime (artigo 325 do Código Penal) e infração funcional.
Como ensina Álvaro Augusto Ribeiro Costa, o correto é acesso a informações sigilosas, sejam de natureza bancária ou fiscal. E o referido acesso não retira o caráter sigiloso dos documentos, tanto que todos aqueles que têm conhecimento das informações sigilosas são obrigados a mantê-las protegidas do conhecimento público, sob pena de responsabilização legal. Em outras palavras, atualmente ninguém está autorizado a "quebrar o sigilo" e tornar públicos documentos sigilosos.
Conforme as regras vigentes, o Estado já é o guardião das informações sigilosas dos brasileiros (vide Receita Federal e Banco Central). Os bancos funcionam sob autorização/concessão da União Federal e estão sujeitos a regras rígidas quanto à sua atuação e documentação. Desse modo, em tese, é perfeitamente possível aos órgãos de fiscalização ou jurisdição, indicados em lei, o acesso a documentos sigilosos para utilizá-los como provas em procedimentos legais. Mas o óbvio nem sempre é aceito. A realidade demonstra que o fisco e o Banco Central não trocam informações.
O problema é de suma importância, principalmente quando são considerados atos ilícitos relativos à globalização econômica, ao equilíbrio financeiro e à "lavagem" do dinheiro resultante de atividades ilícitas (o tráfico de drogas, a corrupção, a sonegação fiscal etc.).
O sigilo das operações financeiras, em nossos dias, tem sido tratado por alguns como direito absoluto, quando, na verdade, nem mesmo o direito à vida o é -observe-se que é possível matar, por exemplo, em legítima defesa (artigo 23 do Código Penal). O sigilo financeiro não chega mesmo a ser norma constitucional.
Atualmente, quando se trata do fisco, são aplicáveis as seguintes normas: artigo 38, parágrafos 5º e 6º, da lei 4.595/64; artigo 197 do Código Tributário Nacional; e artigo 8º da lei 8.021/90. Porém, quanto às informações financeiras, tem predominado nos tribunais o entendimento de que a Receita Federal não dispõe de autorização legislativa, no caso lei complementar, para ter acesso aos registros bancários dos contribuintes.
Por fim, para realçar a importância do debate, nada melhor do que um problema concreto. Todos recordam que, em 1993, o STF julgou inconstitucional a cobrança do IPMF no mesmo ano da sua instituição. Anteriormente a essa decisão, o tributo fora cobrado de todos os correntistas por um determinado período de tempo.
À época, a Receita Federal comunicou à população que providenciaria a devolução do valor indevidamente cobrado. Para tanto, necessitava das informações sobre o IPMF em poder dos bancos. Estes se negaram a fornecer os dados, embasados no sigilo bancário.
A respeito, o professor Osiris Lopes Filho, na Folha de 16/10/94, pág. 2-2, escreveu: "É incrível que possa persistir uma situação em que a administração tributária fique impedida de conferir a base de cálculo de um imposto que incida sobre as retiradas de quantias da conta corrente bancária, sob a alegação de que isto vulnera o sigilo bancário".
Como resultado, até hoje os contribuintes não foram ressarcidos do IPMF indevidamente descontado em 1993. Se o Banco Central e o fisco (ambos obrigados ao sigilo) trocassem informações, o problema já teria sido solucionado.

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