São Paulo, terça-feira, 26 de novembro de 1996
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'Celebration' é presente para desafetos

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há um curioso pressuposto, entre as gravadoras, de que no Natal o coração do consumidor amolece, e seus ouvidos absorvem com maior tolerância e facilidade qualquer estereotipia musical.
Junte-se a esse oportunismo o fato de vozes conhecidas do showbiz gostarem de ganhar dinheiro e terem empresários com um tremendo faro para montar duetos e trios.
Foi nessa operação que embarcaram os tenores espanhóis José Carreras e Plácido Domingo, em companhia da vocalista norte-americana Natalie Cole.
Juntaram-se em Viena, em 23 de dezembro do ano passado, para um show intitulado (obviamente) "A Celebration of Christmas".
Parte do lucro veio da bilheteria, uma parte bem maior dos direitos de retransmissão por TV e, como subprodutos, há um CD lançado agora pelo selo Erato e um vídeo da Warner Music.
Ninguém é ingênuo de supor que o Natal possui uma base espiritual que não deveria sofrer nenhuma erosão mercantilista. Mas há formas menos ou mais inteligentes de integrá-lo ao mercado. "A Celebration of Christmas" é o exemplo do primarismo.
Carreras e Domingo têm uma potência de voz incomparavelmente superior à de Natalie Cole.
O conceito de trio, aplicado aos três, já é um artificialismo, viabilizado pelo software da sonoplastia.
As 21 peças recebem o tratamento de chavões. "Panis Angelicus", de César Frank (1822-1890), tornou-se irreconhecível.
O coral infantil faz contraponto com a orquestra, segundo estruturas sintáticas dignas de um débil mental: uma nota longa, duas curtas, seguidas de uma quarta longa, na faixa um.
E o que dizer da falsificação do repertório? O que aparece como "What Child is This" (faixa 13), chama-se em verdade "Green Sleeves Of My Lady" e é uma peça anônima inglesa do século 16.
O CD só cresce quando Natalie Cole fica mais solta para cantar bem o que conhece, como Leroy Anderson ou Felix Bernard. De resto, eis um bom presente de Natal para nossos desafetos.

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