São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 1996
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Restabelecendo a verdade

JOÃO XERRI

A Folha publicou (25/11) artigo do embaixador da Indonésia, no qual este afirma que a "integração de Timor Leste com a Indonésia" trouxe enormes benefícios ao povo timorense. O sr. Adian Silalahi abusa de sua condição de embaixador, desinformando o público brasileiro.
A leitura do artigo nos fez lembrar os argumentos usados pelo governo do apartheid, na África do Sul, que também declarava que estava beneficiando o povo, que este estava feliz com o regime e que apenas uma pequena minoria queria mudar a situação... Não é por mera força de expressão que Xanana Gusmão, líder máximo da resistência timorense, preso em Jacarta, é conhecido como o "Mandela de Timor Leste".
O embaixador representa um governo golpista, que, para se instalar, em 1965, matou mais de 1 milhão de pessoas. É um dos governos mais repressivos da região, mantendo inúmeros presos políticos.
Seu crescimento econômico também é alimentado por trabalho "escravo" de operários que chegam a ganhar US$ 1 por dia e que, quando protestam, são sumariamente mortos (cf. campanha mundial contra as práticas da filial Nike da Indonésia).
Mucktar Pakpahan, o grande líder sindical indonésio, conhecido como o "Lula" de seu país, está preso... Trata-se de uma ditadura que fez escola, criando técnicas conhecidas como "operação Jacarta", copiadas em vários países da América Latina, durante as ditaduras militares.
O presidente Fernando Henrique Cardoso quase foi vitimado por uma dessas operações: escapou porque foi avisado com antecedência por d. Paulo Evaristo Arns. Vários povos das ilhas dominadas pela Indonésia estão também sendo reprimidos, massacrados.
Devo aqui testemunhar que as primeiras pessoas que me falaram sobre Timor Leste foram democratas indonésios exilados em Londres, que me puseram a par da situação tanto dos timorenses quanto dos indonésios.
A revista alemã "Der Spiegel" acaba de publicar entrevista com d. Belo, bispo de Dili, capital do Timor, na qual este declara que os timorenses são tratados como cachorros pelos militares indonésios. A presença de mais de 200 mil pessoas, um terço da população do país, manifestando seu apoio a d. Belo quando este retornou da Indonésia, há poucos dias, prova que ele é realmente o porta-voz do povo -e não o sr. Silalahi.
Quanto ao argumento de que o domínio da Indonésia é melhor que o de Portugal: como é possível comparar dois males? Gostaríamos de saber por que a embaixada filma todos os atos em favor de Timor Leste, revivendo os tempos da nossa ditadura militar...
Se a situação em Timor Leste é tão boa, por que o embaixador não promove a visita de uma delegação de brasileiros, composta por pessoas respeitáveis da sociedade civil, como Betinho e Paulo Sérgio Pinheiro, parlamentares de vários partidos, artistas e equipes de reportagem da grande imprensa? Sob a proteção da Cruz Vermelha, poderiam se encontrar na Indonésia com presos políticos, como Xanana Gusmão, Mucktar Pakpahan; em seguida, visitar Timor Leste e, então, informar o povo brasileiro sobre a situação real.
Se o povo timorense está tão feliz com a dominação do governo indonésio, por que este não permite o plebiscito exigido reiteradamente pela Assembléia da ONU desde 1975?
Para nós, o grande "valor" desse artigo é reconhecer que Timor Leste entrou na agenda nacional e está motivando a nossa solidariedade...

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