São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 1996
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Venâncio Aires convive com a depressão e enforcamentos

BRUNO BLECHER
DO ENVIADO ESPECIAL

Os agrotóxicos do grupo químico organofosforado podem estar associados ao elevado número de suicídios que ocorre nas cidades do fumo.
Essa é a principal hipótese do Relatório Azul, elaborado pelo Gipas (Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação em Agricultura e Saúde), de Porto Alegre, e entregue à Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul.
No ano passado, apenas em Venâncio Aires, 21 pessoas suicidaram-se, a maioria agricultores. Na região, a forca é o instrumento para a morte.
O número corresponde a 37,22 casos por 100 mil habitantes, quase dez vez mais o índice brasileiro de suicídios em 94. Na média entre 90 e 94, o coeficiente da cidade chega a 20,33 casos.
"Vários estudos toxicológicos apontam os organofosforados como degenerativos do sistema nervoso central, porque inibem a produção de acetilcolinesterase do organismo", diz o médico João Werner Falk, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Falk, um dos autores do relatório, diz que o bloqueio dessa enzima impede sua ação sobre a acetilcolina e provoca uma espécie de curto-circuito nos neurônios.
A pessoa intoxicada pode apresentar vários problemas físicos e mentais, como ansiedade, irritabilidade, perda de memória e depressão, importante fator de risco para o suicídio.
"É lógico que podem existir outras causas, mas a ligação entre os suicídios e os agrotóxicos precisa ser investigada", diz Falk.
Para Anthony Wong, médico toxicologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, há relação entre alguns tipos de organofosforados e a depressão.
"Eles afetam a atuação dos neurotransmissores, acelerando a atividade dos sistemas neuronais responsáveis pela depressão", diz.
Dados da Secretaria de Saúde gaúcha mostram que os casos de suicídio são elevados em outras cidades do fumo do RS.
Um levantamento feito pela Folha, com base em dados do Ministério da Saúde, revelou índices altos também nas regiões de Rio do Sul, Chapecó e São Miguel D'Oeste, em Santa Catarina.
Embora recordista em suicídios, Venâncio Aires possui apenas um hospital (São Sebastião Mártir), que não dispõe de atendimento psiquiátrico. "Temos apenas uma neurologista", diz Gilberto Gobbi, administrador do hospital.
Gobbi diz que são frequentes as tentativas de suicídio na cidade, assim como casos de intoxicação.
"Na época do plantio chegamos a atender entre 8 e 10 casos de intoxicação por dia", diz Gobbi.
A maioria dos fumicultores ouvidos pela Folha afirmou não utilizar os equipamentos de proteção para pulverização das lavouras.
José Carlos da Rosa, 31, planta fumo desde os 5 anos em Venâncio Aires, mas nunca usou proteção.
Em junho de 88, seu irmão Luiz Antonio, na época com 19 anos, se matou, enforcando-se com uma corda. "Dias antes ele parou de trabalhar e não queria fazer nada. A mãe xingava. Ele deixou uma carta, dizendo que foi por causa da namorada", diz Rosa.
Um ano depois, conta Rosa, no dia do aniversário da morte de Luiz, sua mãe, Erna, se matou usando uma cinta.
Em agosto de 95, a prefeitura implantou o Centro de Atenção em Saúde Mental, em um bairro da zona rural do município.
"Há muitos casos de depressão na cidade", afirma Karla Rosana Wietze, psicóloga do Centro. BB

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