São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 1996
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Nordestinos se matam bebendo 'veneno'

XICO SÁ

Somente este ano, pelo menos 28 pessoas se suicidaram ao ingerir doses do agrotóxico Tamaron, da classe dos organofosforados, na região de plantações de fumo em Arapiraca (120 km de Maceió).
Estas pessoas têm em comum o fato de trabalharem com o veneno ou pertencerem a famílias de produtores que o aplicam nas lavouras vizinhas às suas casas.
Foi o caso do garoto José Frelison dos Santos, 14, encontrado morto, na roça, após tomar uma dose do agrotóxico, usado para matar o pulgão, praga do fumo.
No distrito de Bananeiras, onde Santos vivia até o mês passado, as pessoas já contam com frieza e naturalidade as histórias de suicidas.
"Só eu conheço umas cinco famílias que tiveram esse problema", diz a agricultora Maria do Socorro Silva, tia de Santos. "Pobre é assim mesmo".
O sobrinho de Socorro, assim como a maioria de crianças e adolescentes da região, ajuda os pais e parentes na cultura fumageira.
Em Arapiraca, conhecida no Nordeste como "capital do fumo", quase toda a produção sai dos pequenos agricultores.
O processo deste tipo de cultura é doloroso, segundo narrativa dos agricultores. "Só tenho pena das crianças, que sempre ficam tontas e vêem o mundo girando quando estão na roça", conta Socorro.
Mortes clandestinas Além da clandestinidade em relação aos registros de nascimento, o Nordeste costuma também não contar os seus mortos em estatísticas confiáveis.
Na região de Arapiraca, o sindicato dos trabalhadores rurais avalia que muitos se suicidam -"nos grotões e cafundós"- e ficam fora de qualquer anotação oficial.
"Toda semana escuto uma história desse tipo", diz o presidente do sindicato, João dos Santos. "Muita gente é enterrada lá mesmo onde morre, sem passar por nenhum papel".
Segundo dados do Ministério da Saúde, Arapiraca registrou um coeficiente de suicídio de 5,16 casos por 100 mil habitantes em 94, número que não corresponde a realidade, segundo os médicos da região.
Os números extra-oficiais deste ano, colhidos pela Folha, mostram que até o dia 16 deste mês, 28 pessoas se mataram.
Estes dados revelam 16 casos por 100 mil pessoas, quase cinco vezes mais do que o índice do Estado e próximo ao índice do Japão. Além das mortes, os médicos registraram 47 pessoas intoxicadas entre janeiro e agosto deste ano.
Francisco Carlos de Lima Santos, diretor do Hospital de Arapiraca, a casa chega a atender um caso de tentativa de suicídio por semana. "É alarmante. O pior é que nem sempre dispomos do antídoto para combater o veneno."

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