São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Só ginástica barra 'Bolinhas'

MAURO TAGLIAFERRI

Das modalidades olímpicas presentes no Brasil, apenas a ginástica possui mais praticantes federados do sexo feminino que do masculino, embora já se encontrem nos Jogos esportes exclusivamente para as mulheres
da Reportagem Local
Você deixaria seu filho praticar ginástica, esporte em que as contusões são frequentes e que o forçaria a se apresentar de sapatilhas e numa roupa colante?
Os pais de Cristiano Magnonn Albino, 22, superaram o preconceito e deixaram. E, neste mês, ele conquistou o melhor resultado da ginástica masculina brasileira, ao obter a 24ª colocação nas argolas e a 21ª no salto sobre o cavalo no Mundial de Especialidades, em Porto Rico.
Cristiano, porém, é uma exceção dentro de outra exceção.
Primeiro, há mais mulheres na ginástica do que homens (388 a 252). O próprio atleta constatou isso nos primeiros encontros com a modalidade.
"Eu levava minha irmã às aulas de ginástica e minha mãe perguntava se eu não queria fazer também. No começo, achava que era coisa de mulher, mas vi uns molequinhos treinando e acabei me inscrevendo", lembra.
Segundo, a ginástica é o único esporte, dentro do universo pesquisado pela Folha, em que o número de mulheres inscritas na confederação supera o de homens.
Ressalvadas as entidades que não souberam informar o número de homens e mulheres federados, o esporte olímpico no Brasil é predominantemente masculino.
Algumas modalidades, entretanto, extrapolam o "clube do Bolinha". No tiro, o exemplo maior, há 50,7 homens para cada mulher.
Se o presidente da confederação, Durval Ferreira Guimarães, encara o fenômeno com naturalidade -"É assim no mundo todo"-, o técnico da seleção brasileira de tiro, Athos Pisoni, encontra explicações na cultura do público.
"As pessoas são predispostas contra as armas. Já vi moças perguntando se não dava medo."
Origens
A valorização do esporte feminino é fenômeno contemporâneo. Na origem dos Jogos Olímpicos, não havia a presença de mulheres -relegadas ao segundo plano na sociedade grega do período helênico (até o século 3º a.C.).
A primeira Olimpíada moderna, há cem anos, repetiu a receita. A participação feminina só viria em Paris-1900.
Hoje, a conversa é outra. As mulheres formaram um contingente aproximado de 35% dos atletas em Atlanta. Na delegação brasileira, eram 66 do total de 225 esportistas e trouxeram 4 medalhas.
A história do avanço do espaço das mulheres no esporte nacional guarda suas curiosidades. Até 1980, o extinto Conselho Nacional de Desportes proibia competições de judô feminino, por considerá-lo muito violento.
Os reflexos dessa política ainda se fazem sentir: só 12% dos federados do judô são meninas.
A natação enfrenta outros problemas. A confederação quer aprimorar o nível técnico das nadadoras, considerado muito inferior ao de Gustavo Borges e companhia.
Até no basquete, prata em Atlanta -no feminino-, existe um desnível considerável entre os sexos: são 44.770 "oscares" para 8.299 "paulas e hortências".
A exceção, a ginástica, só se explica, segundo a presidente da confederação, Vicélia Florenzano, porque seu atleta masculino atinge o auge aos 18 anos, idade em que serve ao Exército ou precisa trabalhar, já que não consegue viver apenas do esporte, e o abandona.
"É difícil para o adulto passar longos períodos fora de casa para competir, longe do trabalho e dos estudos", declarou a dirigente.
Cristiano Albino, por exemplo, contou com a ajuda dos pais, com quem vive até hoje, para se sustentar. E já que o assunto são meninos e meninas, ele conta que o porte físico que a ginástica lhe deu faz sucesso entre as colegas.
"O ginasta tem força em todos os músculos. As meninas olham, principalmente para a bunda. Mas não gosto de me exibir, ficar sem camisa", disse. O principal motivo para o bom comportamento, reconhece, é a namorada, Verônica, bastante ciumenta.
(MT)

Texto Anterior: Exército toma o pentatlo
Próximo Texto: Atletismo e handebol 'vingam' as mulheres; Da população brasileira; Os homens ganharam; Jogos têm 'clube do Bolinha e da Luluzinha'; Meninas têm medo de se masculinizar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.