São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 1996
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A honra nacional

LUÍS NASSIF

Na medida em que se modernizam hábitos e conceitos, começam a se desmistificar uma a uma as grandes armas de retóricas das quais se valeram historicamente grupos políticos para se apropriar do Estado brasileiro.
O uso seletivo da palavra honra é uma das mais eficientes. Por exemplo: foi uma desonra para São Paulo perder o Banespa para o governo federal.
Vamos conferir como funcionava o comércio de idéias políticas no país, antes da abertura dos portos para novos conceitos?
Partia-se primeiro da defesa do oprimido. Há um país desigual que precisa de ações que induzam a um maior equilíbrio social ou regional. Nada contra.
Depois, definiam-se os meios: estruturas administrativas caras e nada transparentes, cujo poder ficava enfeixado nas mãos dos donos do Estado de plantão. Sempre tinha que se ter a intermediação do Estado.
(Anos atrás, a Xerox acreditou na campanha do governo Quércia, de adotar uma escola. Adotou uma, avaliou os custos de uma reforma e contratou uma empresa para os trabalhos. O governo recusou. Se quisesse adotar tinha que botar o dinheiro nas mãos do Estado. O Estado contratava e pagava, por quase o triplo do valor orçado pela Xerox. A empresa não aceitou e a escola ficou sem o benefício -em nome desse curioso conceito de honra pública.)
Dali para se considerar os meios como sendo os fins era um pulo. O objetivo final -promover a redução das desigualdades- ia para o espaço. A estrutura passava a se justificar por si própria, independentemente de estar cumprindo ou não seus objetivos.
E vivíamos, os brancos, com nossa honra, e os bugres, com sua miséria.
Meios e fins
É o que ocorre com esse enorme dramalhão cercando a venda do Banespa e da Vale do Rio Doce.
Em muitos círculos paulistas, se considerou que a "honra" de São Paulo foi enxovalhada. Cáspite! O que tem a honra a ver com isso? Qualquer conceito de honra pública tem que estar associado ao bem-estar dos cidadãos, ao atendimento dos interesses difusos dos paulistas, não das corporações em si.
Manter o Banespa no Estado significaria atender a esses interesses gerais? Evidente que não. Para manter o banco, haveria a necessidade de empatar recursos que poderiam estar indo para saúde, educação, melhoria dos serviços públicos.
Seria uma atitude "honrada" tirar dinheiro dessas áreas para manter no Estado esse patrimônio paulista?
Atentado maior à honra de São Paulo é a redução dos recursos que o Estado destinava à assistência dos menores drogados da praça da Sé -redução que não despertou nenhuma reação dessas figuras honradas. Ou a prefeitura construir uma avenida pelo dobro de seu valor de mercado e não dispor de um programa decente de atendimento ao menor.
Tanto os defensores da honra pública quanto o governador passaram dois anos dando murros em ponta de faca, para preservar esse grande monumento à hipocrisia -a honra em torno de símbolos vazios, não em torno de pessoas e da criação de uma rede de solidariedade estadual.

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