São Paulo, sexta-feira, 29 de novembro de 1996
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Joris Ivens é patrono do festival de Amsterdã

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A AMSTERDÃ

Dois anos antes das celebrações de seu centenário e sete depois de sua morte, Joris Ivens ainda paira sobre o Festival Internacional de Amsterdã como o grande patrono.
O prêmio da mostra competitiva de filmes leva seu nome, dois dos ciclos paralelos destacam obras dele, e todas as conversas sobre a história do cinema holandês (e mesmo do festival) têm em Ivens a invariável referência.
Hoje a mostra que destaca jóias da coleção de documentários das cinematecas de 11 países apresenta a seleção holandesa, com Ivens marcando presença com uma novíssima cópia de "Nova Arquitetura" (1930).
Trata-se do último grande marco das elegias à vida metropolitana que revelaram Ivens ao mundo, no final do período silencioso.
Realizado integralmente por ele, do roteiro à edição, o filme apresenta serenas imagens de destaques da chamada "escola de Amsterdã", que introduziu o modernismo na arquitetura flamenga.
Depois de amanhã, o ciclo dos dez mais da história do documentário, segundo o crítico e diretor Jan Vrijman, 71, exibe o testamento cinematográfico de Ivens, "Uma História do Vento" (1988), co-dirigido por Marceline Loridan.
"Tive que pensar muito em qual filme de Ivens selecionar", reconhece Vrijman no catálogo do festival.
"O homem Ivens é mais importante que o cineasta. Por isso escolhi o autobiográfico 'Uma História do Vento'. Nesse filme, que é uma retrospectiva da vida dele, Ivens se exibe como um místico, um guru mágico, o que ele realmente foi."
Vrijman não deixa de frisar, no mesmo texto, sua resistência às "escolhas políticas" de Ivens -isto é, ao engajamento do diretor de "Komsomol ou O Canto dos Heróis" à causa soviética e chinesa.
Propagandístico
A poeira em torno do caráter propagandístico de boa parte da filmografia do chamado "Holandês Voador" foi novamente levantada no ano passado pela publicação da mais completa biografia do cineasta, assinada por Hans Schoots -e ainda não assentou.
"Joris Ivens - Uma Vida Perigosa" devassa a militância esquerdista do cineasta e derruba mitos como a do garroteamento diplomático que Ivens teria sofrido no imediato pós-guerra.
O início da polêmica é o abandono por ele de um filme oficial de encomenda, pró-presença holandesa na Ásia.
Ivens arrostou os colonialistas e inverteu os sinais, realizando o libertário "A Indonésia Chama" (1946). Para o cineasta como para as autoridades holandesas, a ferida então aberta demorou décadas a cicatrizar. Mas a esfinge Ivens nutre seu mistério com livros como o de Schoots.
Cinemateca Holandesa
Uma sala repleta de jovens assistiu, na noite da última terça-feira, à projeção de sete novos tesouros da coleção Ivens da Cinemateca Holandesa, numa das sessões de encerramento dos festejos do cinquentenário da instituição.
O cardápio apresentava títulos recém-descobertos ou cópias recém-restauradas de alguns de seus maiores clássicos.
Um pequeno fragmento amador, mostrando a família Ivens em 1912, abriu a sessão. Seguiu-se um delicioso esquete doméstico rodado por Joris Ivens em 1927 para celebrar o 21º aniversário de sua irmã Thea.
"Estudos de Movimentos em Paris" (1927), resgatado há dois anos graças à Cinemateca Francesa, é um fragmento experimental de dois minutos que procura captar o dinamismo das grandes cidades por ângulos exóticos ou corajosos movimentos de câmera.
"A Ponte" (1928), cinepoema futurista em louvor a um marco histórico de Roterdã, ganha novo impacto abandonando os tons acinzentados das cópias em circulação em favor do contrastado preto-e-branco original.
A novidade de "Chuva" (1929), talvez o ápice da carreira de Ivens, está na reconstituição do comentário musical assinado por Hans Eisler.
O fragmento "Fundição", originalmente rodado em 1930 para o curta publicitário "Nós Construímos", reafirma em marcado estilo gráfico a idolatria à máquina do jovem Ivens.
Nada poderia encerrar melhor a sessão que a mais completa versão de "A Terra Espanhola" (1937), filme-manifesto de apoio aos republicanos anti-franquistas, com a narração lida pelo próprio autor, Ernest Hemingway -exatamente como Ivens preferia.
E olha que as duas outras versões trazem as interpretações, separadamente, de Orson Welles e Jean Renoir.

O crítico Amir Labaki está em Amsterdã como membro do júri do festival.

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