São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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Julgadores e julgados

JANIO DE FREITAS

O Supremo Tribunal Federal está na iminência de viver um momento muito especial na sua história, o que talvez aconteça já na sessão de hoje: um julgamento em que os seus integrantes serão, a um só tempo, julgadores e julgados, embora não sejam réus no processo.
A decisão do STF estenderá ou negará aos funcionários civis do Executivo, ou do governo, o aumento dado há três anos só aos militares, embora o artigo 37 da Constituição determine que os civis e os militares sejam aumentados pelo mesmo índice e na mesma data. Até aí, seria um julgamento como qualquer outro.
Seria porque, envolvendo interesse do governo, não se pode assegurar que será. Nos tribunais superiores, particularmente no próprio STF e no Tribunal Superior do Trabalho, o direito tem sido infiltrado por considerações, até explícitas mesmo, sobre o que convém ou não à política econômica do momento. Assim se deu mais de uma vez no governo Collor, depois no governo Itamar Franco, em seguida no governo Fernando Henrique. E não seria surpreendente que acontecesse outra vez.
Não seria se não existisse um pormenor que nem é recente: o STF considerou imprópria a concessão de aumento só para os militares e, por decisão administrativa interna, concedeu o mesmo reajuste aos seus próprios funcionários. Em se tratando de aumento, os dirigentes do Congresso não perderiam tempo, e não tardaram mesmo em dar idêntico reajuste aos funcionários do Senado e da Câmara.
Além da força concedida à economia em relação ao velho direito, o julgamento está sob fortes pressões do governo contra a extensão do reajuste aos seus funcionários, os únicos servidores civis que não o receberam. Mas se os magistrados do STF deram o reajuste ao seu funcionalismo, em reconhecimento material de um direito, concedê-lo ou negá-lo ao pessoal do Executivo implica também um julgamento de valor do STF, senão do Judiciário mesmo, por expressiva parte da opinião pública.
A propósito, os gastos do governo com os servidores federais foram calculados, para o decorrer deste ano, em R$ 45 bilhões arredondados. Cifra muito citada, desde a preparação do Orçamento ainda no ano passado, por exprimir um aumento anual (em 95 foram R$ 39 bi) que justificaria o fim da estabilidade pretendido pelo governo. As contas não conferem, porém.
Os gastos do governo com o funcionalismo até 30 de outubro, segundo os registros do seu Sistema de Acompanhamento Financeiro incluídos em artigo de José Zunga, somaram R$ 30,35 bilhões. Logo, aplicada a média mensal aos 13 vencimentos do ano, a despesa total será de R$ 39,5 bilhões. A mesma do ano passado, o que se explica porque não houve reajuste na data-base (janeiro) e desmente o total sempre referido a toda hora presente nos jornais.

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