São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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O ministério de Paivaleone

ELIO GASPARI

Adiante está a versão tucano-pefelê da futura legislação regulando o funcionamento do mercado de tíquetes-refeição, modalidade de atravessamento comercial daquilo que antigamente se conhecia como o ato de comprar um prato de comida: 1) A empresa que pretenda vender uma refeição a um trabalhador deverá se credenciar junto a uma atravessadora de tíquetes.
2) A atravessadora deverá esperar que o Ministério do Trabalho publique uma portaria no "Diário Oficial" estabelecendo as regras dessa intermediação. 3) Depois da publicação da portaria, cada atravessador terá 90 dias para se registrar na Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho.
4) Havendo a portaria, o registro e o credenciamento, cada botequim fica obrigado a ter uma conta bancária só para receber o pagamento dos tíquetes que arrecadou vendendo comida. 5) Se por acaso um cidadão entrar num restaurante para comer R$ 15 de carne e quiser pagar com um tíquete de R$ 20, só poderá receber o troco em papel-comida, sendo vedada a circulação de reais nesse tipo de transação. 6) Cada trabalhador fica obrigado a assinar uma declaração toda vez que receber um bloco de tíquetes. Nesse documento devem estar anotados os números dos papelotes, como se faz na compra de cheques de viagem.
Em resumo, o governo se convenceu de que é muito complicado dar ao trabalhador um auxílio-refeição em reais, deixando a seu critério onde gastá-los e como comê-los.
Tíquete-reeleição
Esse foi o produto da capitulação do governo diante do cruzamento dos interesses dos atravessadores, de um pedaço da bancada do PFL no Congresso e das pressões das centrais sindicais.
O ministro Pedro Malan, com sua retórica milenarista e sua eterna preocupação em reduzir o custo Brasil (deles), defendia o fim dos tíquetes. Farejada a pressão, deixou a Receita Federal falando sozinha e fez de conta que a capitulação envolveu o governo belga. Logo um governo que, só para administrar os tíquetes de seu funcionalismo, tem cerca de 4.000 funcionários em 190 repartições diferentes.
As centrais sindicais temem que, se os tíquetes-refeição forem substituídos por pagamento em dinheiro, em dois ou três anos, o patronato e o governo lhes comam o benefício. É provável que estejam certas, sobretudo porque o Tribunal Superior do Trabalho acaba de cassar o direito dos operários da construção civil de São Paulo à cesta básica. Ainda assim, as pressões que levaram ao recuo pouco tiveram a ver com essa argumentação. Elas se situaram muito mais na matemática da maioria parlamentar, na qual prevaleceu a influência dos atravessadores.
É razoável que um governo preocupado em votar a emenda da reeleição não queira fazer marolas nas bases financeiras de uma fiel bancada. É injusto que esse mesmo governo, incapaz de dar ao trabalhador a prerrogativa de pagar pela sua comida com dinheiro, vá lhe pedir o voto.
E agora, o PAT
Mais injusto é que o ministro do Trabalho, em duas entrevistas sucessivas, seja capaz de dizer coisas como as seguintes:
- Será criada uma comissão tripartite de gestão do Programa de Alimentação do Trabalhador, o PAT, que é prioritário e importante para o governo. (Ao repórter Mauricio Corrêa.)
- Trabalhamos com um verdadeiro exército de Brancaleone. (À repórter Rossana Alves, referindo-se simultaneamente à baixa escolaridade do trabalhador brasileiro e talvez ao presidente Fernando Henrique Cardoso no papel de Vittorio Gassmann como o cavaleiro Brancaleone da Norcia do velho filme.)
O trabalhador brasileiro não tem nada a ver com a simpática e estúpida tropa de Brancaleone. Ele faz seu serviço. Se não estudou mais, isso se deveu ao fato de ter corrido ainda jovem em busca do prato de comida. Muito mais parecido com Brancaleone é o ministério do professor Paiva. Só o grande Gassmann seria capaz de anunciar a criação de um PAT tripartite para tratar da alimentação de seus comandados. PAT para cá, PAT para lá, quem precisa de tripartite para comer é o governo.

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