São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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'Quero comprar mais 30 quadros brasileiros'

RODRIGO BERTOLOTTO
DE BUENOS AIRES

O argentino Constantini, comprador de 'Mulheres com Frutas' e 'Abaporu' diz que pagaria US$ 2 mi por 'Antropofagia', de Tarsila

A voracidade do mecenas argentino Eduardo Costantini não pára nos US$ 590 mil pagos por "Mulheres com Frutas", de Emiliano Di Cavalcanti, ou no US$ 1,3 milhão desembolsado por "Abaporu", da pintora brasileira Tarsila do Amaral.
"Quero comprar mais 30 quadros brasileiros", diz o financista de 50 anos em seu escritório no último andar do prédio que construiu em Puerto Madero, região mais nobre de Buenos Aires.
Ao seu lado está o computador no qual supervisiona o caminho dos US$ 200 milhões investidos por seus clientes.
"A imagem de colecionador não me ajuda porque meus clientes são todos bancos."
Ele é o dono da Consultatio Asset Management, uma administratora de fundos. Antes, foi o titular do Banco Francés, que vendeu por mais de US$ 60 milhões.
"A coleção é o oxigênio para minha vida de financista", confessa o dono até agora de 130 obras latino-americanas, que deseja juntar no futuro "Museu Costantini".
Por enquanto, elas estão dispersas, já que Costantini espera que o governo retire o imposto de 30% para a entrada de produções artísticas.
Em Montevidéu (Uruguai), estão cinco quadros na residência oficial do presidente, entre eles o "Abaporu".
Em Nova York, permanecem os dois Di Cavalcanti arrematados na semana passada.
No total, ele tem cinco obras de pintores brasileiros: três Di Cavalcanti, uma Tarsila e um Portinari.
Costantini começou a coleção aos 22 anos, pagando quadros em prestações.
Na época, trabalhava como contador de um frigorífico. Depois, foi até vendedor de roupa no centro da cidade.
Como estudante, não foi dos mais brilhantes: repetiu de ano duas vezes. Mas o tino para as finanças fez Costantini chegar a seu primeiro US$ 1 milhão com apenas 29 anos de idade.
Hoje, ostenta a fama de especialista na área, com previsões acertadas, como no caso do chamado "efeito tequila", fuga de capitais decorrente da crise da economia mexicana no final de 1994.
Costantini conserva um estilo de vida discreto. O único sobressalto aconteceu na separação de sua mulher, a atriz e produtora María Teresa Costantini -agora namora uma garota 30 anos mais jovem.
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INFLAÇÃO DOS PREÇOS - "Espero que, após minhas compras, os empresários brasileiros reajam, comprem as pinturas históricas deste século e procurem que essas obras não saiam do país. Eu não especulo com preços e quadros. Eu quero fazer um time de primeira linha da pintura latino-americana. E minha coleção vai valorizar mais a arte regional."
MUSEU - "Comprei por US$ 10 milhões o terreno no centro de Buenos Aires que abrigará minha coleção. A construção só começa após o concurso internacional que escolherá o projeto em meados de 1997. Se chamará Museu Costantini. Quero que ele vire uma referência para o público da cidade e do exterior."
FICAR PARA A HISTÓRIA - "O museu é a forma de deixar meu nome para a história. É o desejo de ser protagonista de nosso tempo, quando o Estado tem cada vez menos importância, e a sociedade civil e os empresários têm de ocupar esse espaço vazio. Minha ilusão é perpetuar meu nome a esta coleção, mas também a um hospital que vou construir."
ACERVO - "Eu coleciono as pinturas modernas que já estão consagradas. Na verdade, minha coleção chega até os anos 70. Quando reunir os mestres do século 20, passarei a procurar obras mais contemporâneas. Compro com a mentalidade de museu: de 500 obras realizadas por um artista, só duas ou três merecem lugar público permanente."
ATUALIDADE - "Dos anos 80 e 90, só posso falar da Argentina. Não conheço a produção dos outros países. Confesso que não tenho uma visão geral que me permita detectar a importância dos artistas atuais."
A MENTE DO COLECIONADOR - "Você vira colecionador sem se dar conta. Depois, a necessidade de ver e incorporar obras novas se torna uma coisa patética. O colecionador é como um viciado em drogas. E o bom de fazer uma coleção é que nunca está completa. No dia em que consigo um quadro que sempre desejei, já estou pensando no próximo."
FUTURAS AQUISIÇÕES - "Não digo o nome da seguinte compra para não a perder. Mas a próxima deve ser uma obra argentina. Do modernismo brasileiro, ainda me falta muita coisa. Quero Rego Monteiro, Cândido Portinari, Victor Brecheret, Lasar Segall, Tarsila do Amaral, Cícero Dias e Alfredo Volpi."
PREDILEÇÃO BRASILEIRA - "O quadro que mais me atrai é 'Antropofagia', de Tarsila do Amaral. Eu desembolsaria US$ 2 milhões por ele. Depois, gosto de dois quadros de Vicente do Rego Monteiro que retratam a crucificação e os reis magos. De Portinari, adoraria incorporar um chamado "Futebol", que pode chegar a valer US$ 700 mil. Quero comprar mais 30 quadros brasileiros."
OUTRAS COLEÇÕES - "Quando era pequeno, colecionava selos argentinos. Depois construí um pombal e criei várias raças de pombas. Os mais difíceis de conseguir eram os pombos mensageiros. Parei com isso aos 13 anos. Ninguém na minha família colecionava coisas. Foi algo natural."
INÍCIO DA PINACOTECA - "Quando tinha 22 anos, passei por uma galeria que havia perto de casa, e um quadro do argentino Antonio Berni me atraiu. Não tinha dinheiro suficiente e acabei adquirindo um outro, mais barato, em três prestações de US$ 200."

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