São Paulo, quarta-feira, 4 de dezembro de 1996
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Brasil apóia tortura

GILBERTO DIMENSTEIN

O brasileiro aceita a tortura como instrumento legítimo dos policiais. É a exata medida de selvageria brasileira.
Apesar de realizada apenas no Rio, a investigação reflete o ânimo nacional. Os resultados da pesquisa não seriam muito melhores em outras grandes cidades.
Pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas e Instituto de Estudos da Religião (Iser) detectaram que 40,4% dos cariocas simplesmente defendem a tortura.
Se fossem incluídos aqueles que não se incomodam com a tortura, sobraria uma ínfima minoria de pessoas ainda disposta a acreditar que os homens não são os mais cruéis dos animais.
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Uma das explicações para essa taxa de barbárie está em um número encontrado pelos pesquisadores. Entre novembro de 1994 e julho deste ano, quase 1 milhão de habitantes do Rio de Janeiro foi vítima de alguma forma de violência.
Se cada uma das vítimas contou para dez amigos e familiares, praticamente todos os habitantes da cidade tiveram contato próximo com a violência. Confira a sua volta: hoje é quase impossível achar algum brasileiro dos grandes centros que não testemunhou ou não sofreu violência de criminosos. As pessoas estão perdendo a sensibilidade e, acuadas, defendem qualquer coisa para se sentir seguras.
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Além de cruel, a brutalidade policial não funciona. Uma das lições da polícia de Nova York, onde a criminalidade não pára de cair, é que a eficiência policial depende do respeito da comunidade.
Quando a polícia dá o mau exemplo, entre eles a tortura, cria um padrão de comportamento copiado pelos delinquentes. Anote: quanto mais violenta a polícia, mais violentos os criminosos.
No Brasil, a selvageria policial é estimulada dentro da corporação, mas, sobretudo, esperada pela população; em muitos casos, endossada por setores dos meios de comunicação. Em essência, também somos torturadores por omissão.
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Quando se fala em crise educacional, pensamos logo em alunos numa sala de aula. Crise educacional é, de fato, os habitantes do país não conhecerem seus direitos e seus deveres, sem acesso às informações básicas para entender e modificar a sua realidade.
O apoio à tortura é consequência óbvia dessa crise, da qual todos, em maior ou menor grau, são responsáveis. Bobagem imaginar que o Brasil vai dar saltos de civilidade sem que os meios de comunicação de massa, em especial a TV, tenham a preocupação de educar, além de faturar.
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Crise educacional é também ver como empresários negam financiamento a programas educativos na TV. O dia em que eles financiarem educação como financiam candidaturas políticas teremos menos gente na cadeia e mais alunos nas escolas.
No final, eles vão se sentir mais seguros. Por causa da violência, um casal de classe média alta vive melhor em Nova York do que um milionário no Rio ou São Paulo, cercado de seguranças.
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PS - Reconhecimento: apesar de lenta, a TV brasileira aumenta suas ilhas de reflexão. O Brasil tem dívida com dois comunicadores que influenciam justamente porque não esqueceram seu papel de educadores: Boris Casoy e Jô Soares.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail: gdimen@aol.com

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