São Paulo, quinta-feira, 5 de dezembro de 1996
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A Vale e a reeleição

CELSO PINTO

A principal razão pela qual entrou em cena, de repente, a discussão sobre a pulverização da venda das ações da Companhia Vale do Rio Doce chama-se reeleição.
O autor da idéia, o senador Antonio Carlos Magalhães, admitiu a um interlocutor que, ao levantar a bandeira da pulverização, ele pretendia, antes de mais nada, ganhar tempo e adiar a venda da empresa. Porque ficou claro, nos últimos meses, que reeleição não combina com venda da Vale.
O próprio presidente Fernando Henrique Cardoso estaria vendo com bons olhos a iniciativa de ACM e de seu filho, Luís Eduardo Magalhães, presidente da Câmara. Não se quer misturar a votação da reeleição com a reta final da venda da Vale.
Por este motivo, aliás, considera-se que o adiamento já oficializado da venda da Vale de fevereiro para março poderá se ampliar até abril. Pelas regras da privatização, o preço mínimo terá que ser divulgado 45 dias antes do leilão. Qualquer que seja o preço a ser fixado, serão inevitáveis as acusações de que o governo quer entregar a empresa a preço de banana.
Reabrir a discussão sobre a modelagem de venda da Vale agora parece estranho, depois de um longo processo de análise e discussão por consultores escolhidos em licitação pública. Mais do que isso, acertado o modelo, ele foi debatido e aprovado, por unanimidade, no dia 5 de setembro, pelo Conselho Nacional de Desestatização, onde têm assento cinco ministros de Estado.
A verdade é que, além das motivações puramente políticas, existem enormes interesses em jogo por trás da modelagem de venda. Pulverizar significa vender as ações da empresa em lotes pequenos para milhares de investidores, aqui e no Exterior. O modelo aprovado, ao contrário, prevê a venda em duas etapas: primeiro, vende-se 40% a 45% das ações votantes para um grupo de controle, depois, pulveriza-se o restante.
Existem três grandes interessados na pulverização: os administradores da Vale, os fundos de pensão e as Bolsas de Valores. Um grupo de fundos de pensão estatais tem cerca de 14% do capital da Vale, e fundos privados, outros 5%. Estes 19%, somados aos 10% que os funcionários da Vale teriam, daria quase 30% do capital votante. Numa venda pulverizada, seria muito difícil outro grupo conseguir ter mais do que isso.
Resultado: os fundos, junto com os atuais administradores da Vale, controlariam a empresa. Bom para eles, mau para o governo, porque isso desvalorizaria as ações da empresa, por duas razões. Grandes grupos estariam dispostos a pagar um "prêmio" sobre as ações da Vale para garantir o controle, o que não aconteceria numa venda pulverizada. Além disso, se a venda fosse feita em várias etapas, dificilmente haveria ganhos adicionais com valorização das ações, já que a administração da Vale não mudaria.
Outra razão para o preço menor é mais sutil. Pulverizar pode ser um grande lance político, como mostrou o Reino Unido, mas só se o governo estiver disposto a vender as ações baratas e permitir que os compradores de classe média tenham ganhos rápidos e substanciais.
Existem dúvidas técnicas, também, sobre como vender mais de R$ 4 bilhões pulverizados, num mercado brasileiro tão estreito. Mesmo vendendo a maioria no exterior, seria preciso dividir a venda em várias etapas e isso prolongaria uma situação de indefinição na Vale.
O interesse das bolsas na pulverização é obvio. Se até 45% das ações forem vendidas a um bloco de controle, significa que a corretagem na venda de mais de R$ 2 bilhões ficará restrita apenas ao consórcio de venda, liderado pela Merrill Lynch. A pulverização obrigaria o uso de mais corretoras, e a revenda de muitas destas ações garantiria polpudas corretagens para o mercado.
Vender um bloco de controle, por outro lado, permite selecionar. O modelo aprovado diz que grandes compradores e vendedores de minério só poderão comprar até 10% da Vale e ninguém pode ter mais de 45% do controle. Com pulverização, fica mais difícil aplicar regras como estas.
Se o "lobby" pela pulverização ganhar a guerra, uma coisa é certa: a venda da Vale será adiada pelo menos uns seis meses, arranhando a credibilidade do programa de privatização.

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