São Paulo, quinta-feira, 5 de dezembro de 1996
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'Estou honrada, mas absolutamente serena'

RONI LIMA
DA SUCURSAL DO RIO

Com sua eleição para presidir a ABL (Academia Brasileira de Letras) marcada para as 17h de hoje, em chapa única, a escritora Nélida Piñon atribui o consenso em torno de seu nome à suposta qualidade feminina de buscar o diálogo.
"Não adianta pensar que mulher é igual ao homem. Mulher é diferente. E eu sou de um temperamento de concórdia, eu gosto de conversa. Acho que as dificuldades, a não ser aquelas radicais, terminais, podem ser contornadas."
A seguir, trechos da entrevista que Piñon deu à Folha.

*
Folha - Qual é a sua visão da literatura brasileira que se faz hoje?
Nélida Piñon - Acho que temos autores importantes, com um conjunto de obras muito apreciável. Mas um grande escritor para ser formado são necessários pelo menos 20 anos.
Então, o que me preocupa é saber se os jovens talentosos, que são muitos, vão ter a paciência de se devotar à obra como um copista medieval. Porque a tentação do mercado é violenta.
Folha - É muito emocionante ser a primeira mulher a presidir uma academia de letras no mundo?
Piñon - Eu estou honrada, mas absolutamente serena. Estou, isso sim, sentindo a responsabilidade, porque vai ser um ano muito atípico, com muitos acontecimentos, efemérides. Promover situações que ponham a academia em evidência (pelo seu centenário).
Folha - Sua candidatura é um símbolo da ascensão da mulher?
Piñon - Claro. É um símbolo muito bonito e muito grato para todos nós. E é um símbolo também para os acadêmicos. Foi uma coisa absolutamente azeitada, suave. Todos os homens da casa, desde que eu entrei (em agosto), ficaram tranquilos.
Folha - Qual a importância hoje da Academia Brasileira de Letras no cenário cultural do país?
Piñon - Se nós temos 500 anos de Brasil, este país do século 19 ter engendrado essa academia me parece surpreendente. Nenhum país da América Latina teve uma academia com essa estatura. E não é só estatura intelectual, cultural. É também surpreendente como essa academia teve membros que criaram um império. Isso aqui é um patrimônio excepcional.
Folha - Mas você não concorda que a academia tem uma imagem externa negativa, de que, para ser imortal, vale mais articulação política do que propriamente qualidade literária?
Piñon - Não, não concordo. Acho que toda instituição é programada pela paixão dos homens, pelos antagonismos, pelas ambiguidades humanas. Evidentemente, todas as instituições acertam mais ou acertam menos.
Mas acho que a Academia Brasileira de Letras tem sempre presenças notáveis. Acontece que as pessoas não sabem muito bem que a nossa academia se inspirou na francesa, que se programou de modo a ter criadores e expoentes.
Nós temos criadores de ficção, de poesia. E temos expoentes em áreas distintas, mas sempre ligados à área da cultura, com livros publicados. Acredito que a academia tem quadros representativos.
Folha - Qual a vantagem de ser acadêmico?
Piñon - Nenhuma. A não ser a vantagem pessoal de fazer parte desse corpo coletivo. A vantagem para mim é a grande honra. É a honra de estar aqui, de fazer parte de um plantel de notáveis, vivos e mortos. Você entra num panteon. Panteon dos vivos e dos mortos.
Folha - Mortos e vivos, juntos...
Piñon - Estamos muito próximos. Por isso que a academia se preocupa com as chamadas efemérides. As efemérides honram, destacam as ocorrências dos mortos. Sempre falamos dos mortos. Não deixamos ninguém morrer.
Folha - Como é o chá das cinco?
Piñon - O chá para nós é lúdico, é onde nós nos sentimos muito bem, contentes. Adoramos conversar, somos engraçados. Eu rio muito sentada à mesa. Desde que estou aqui (na presidência interina), uma marca minha é botar flores na mesa.
Folha - Um detalhe feminino...
Piñon - Acho que também é um detalhe feminino um bolo, porque chá sem bolo inglês, com passas e frutas cristalizadas, não é chá. Quero uma tradição. Espero que até um dia se chame bolo Nélida. Seria melhor do que ter o nome num livro.

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