São Paulo, quinta-feira, 5 de dezembro de 1996
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O que importa é jogar grande

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nunca se viu uma instituição dar tanto Ibope sem fazer esforço. É a Academia Brasileira de Letras (ABL). Pelo menos uma vez por ano a ABL está nas páginas dos cadernos de cultura.
Os motivos são os mesmos: eleição para a presidência da casa e/ou indicação de um novo imortal para preencher vaga de outro recém-falecido.
Último reduto do francesismo na cultura brasileira -foi inspirada na Académie Française ela mesma, de 1635-, a ABL vai fazer um século em 1997, sem conseguir se livrar de sua imagem de coisa inútil e anacrônica.
Pensa-se num grupo de puxa-sacos diletantes, que passam o tempo esquadrinhando livros e tomando chá.
Julgamento certamente exagerado, já que às academias não cabe senão atividades quase que de adorno: cuidar da língua, fomentar a literatura, compilar dicionários e gramáticas, editar textos, atribuir prêmios.
Mas, como ali tudo ocorre muito lentamente -porque tudo é vitalício-, os resultados não aparecem. O ex-presidente Antonio Houaiss falava, ainda no ano passado, sobre seu empenho em querer concluir para 97 o dicionário da ABL, em preparação desde a década de 50.
Talvez também por um efeito natural da passagem do tempo, alguns nomes de "notáveis" extinguem-se na memória do público. O cidadão comum não tem como saber quem são João de Scantimburgo, Alberto Venâncio Filho, Oscar Dias Corrêa ou Sérgio Corrêa da Costa, entre tantos outros.
No entanto, e já que academia e gente comum são realidades inconciliáveis, o aposto pomposo resiste -Fulano de Tal, da "Academia Brasileira de Letras". Para quem lê, a distinção ecoa no vazio e cai na pergunta inevitável: E daí?
Se a Academia teve Manuel Bandeira e tem João Cabral de Melo Neto, não registra o nome de Carlos Drummond de Andrade em seus anais. Tem João Guimarães Rosa, mas nunca teve Graciliano Ramos. E não consta de suas listas o nome de Clarice Lispector.
Agora, com a candidatura de Nélida Piñon à presidência -seria a primeira mulher a presidir a casa e uma academia no mundo-, a ABL volta a fazer seu estardalhaço anual nos noticiários de cultura.
É que a Academia -que somente em 1977 aceitou a primeira mulher em seus quadros- parece estar "inovando".
Mas eu procurei a "homepage" da ABL na Internet e só encontrei a "American Basketball League", dos EUA, cujo lema, aliás, escrito em inglês, talvez sirva à nossa ABL em muitos casos: "It is not how big you are, it's how big you play!" (o que importa não é ser grande, e sim jogar grande).

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