São Paulo, quinta-feira, 5 de dezembro de 1996
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Em defesa da TV Cultura

EMIR SADER

Antes de se despedir no programa "Roda Viva" em que foi a entrevistada, Lygia Fagundes Telles quis manifestar seu elogio da TV Cultura. Pelo alto nível de sua programação cultural, pelo pluralismo de seu jornalismo, pelos programas de entrevistas e debates, pela demonstração de que uma TV pública pode aliar qualidade com alto nível de audiência.
O próprio ritmo da programação de uma TV que não se pauta pelo marketing é muito mais propício para a manifestação e o debate pluralista de idéias. Lygia expressava uma opinião disseminada não apenas em São Paulo, mas no Brasil inteiro, que, porém, não tem se manifestado com a força política necessária para frear as ofensivas contra a TV Cultura.
O governo do Estado tem tratado a TV Cultura -e a cultura como um todo- como um problema de equilíbrio de caixa. De forma decepcionante para quem acompanhou a carreira de Mário Covas, sua política se submete aos desígnios das autoridades econômicas federais, que impõem a ditadura do ajuste fiscal, atropelando as políticas sociais e culturais.
E, para decepção dos que acreditam que existe em São Paulo uma opinião pública democrática -que valoriza a programação cultural da TV Cultura, sua programação infantil, seu jornalismo informativo, seus documentários, o que faz pelo cinema, pelo teatro, pelo balé, pela cultura de São Paulo em geral, sua programação esportiva-, não têm existido manifestações à altura do que ela merece.
O liberalismo quer nos impor a idéia de que temos que optar entre o estatal e o privado. Aquele é condenado pela ineficiência, pela indevida intromissão na vida das pessoas, por arrecadar mal e gastar pior; já o privado seria o espaço da liberdade, do desejo, da imaginação, da produtividade, encobrindo as relações mercantis.
Tratam de desqualificar um terceiro termo -o público. Neste se articulam as forças organizadas da sociedade em função dos interesses coletivos, mais além dos objetivos de maximização do lucro que caracterizam o mercado e mais além da tecnocracia e burocracia estatais sem controle social.
A TV Cultura é um embrião de instituição pública -não tão representativa quanto deveria ser, mas com autonomia diante dos governos na sua orientação- e por isso se diferencia tanto dos outros meios de comunicação, em que o marketing prima sobre a informação, a isenção, o pluralismo.
Outros esboços de iniciativas que vão constituindo uma esfera pública no Brasil são os orçamentos participativos de várias prefeituras brasileiras e os assentamentos dos trabalhadores rurais. Eles têm em comum a articulação das forças organizadas da sociedade na solução de problemas comuns e apontam para a efetiva democratização do Estado e das relações sociais.
A programação atual da TV Cultura se ressente da falta de recursos, que apenas permitem sua sobrevivência, fazendo com que uma alta porcentagem de sua programação seja reprisada. Um programa como o "Castelo Rá-Tim-Bum", que ocupa os primeiros lugares na audiência da emissora -entre 18h30 e 20h, a TV Cultura, graças à programação infantil, ocupa o segundo lugar de audiência-, é sistematicamente reprisado, não podendo gravar seu terceiro ciclo por falta de recursos.
Isso ocorre no mesmo momento em que a TV Cultura volta a ser incluída pela Unesco entre as três melhores programações para o Dia da Criança, consolidando que se trata do que de melhor os meios de comunicação já produziram no Brasil.
Zelar pela TV Cultura como a menina dos olhos de um indispensável processo de democratização dos meios de comunicação é uma obrigação incontornável da democracia brasileira. O abraço que os trabalhadores da TV Cultura deram em torno dos estúdios da emissora deveria ter sido reforçado por todos os que valorizam sua programação e, sobretudo, o que ela significa para a construção de um país democrático, cultural e politicamente.

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