São Paulo, sábado, 7 de dezembro de 1996
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Antonio Cicero exibe seu "Guardar"

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de uma conversa de cinco minutos ao telefone, o poeta, filósofo e letrista Antonio Cicero avisa gentilmente: "Eu me expresso melhor pela palavra escrita".
Conhecido pela parceria com sua irmã, a cantora Marina Lima, Cicero, 49, lança agora "Guardar", uma seleção de sua obra poética.
Antes dos versos em livro, já havia publicado ensaios sobre filosofia, "O Mundo Desde o Fim" (ed. Francisco Alves). E foi sobre poesia, e observações filosóficas, que ele falou à Folha. Leia abaixo trechos da entrevista feita por e-mail.
*
Antonio Cicero - Minha poesia também é oral no sentido em que, com raras exceções, ou ela consiste em letra de música -o que significa a palavra cantada- ou ela fica melhor quando lida em voz alta.
O som, o ritmo, a musicalidade ou a antimusicalidade do verso são extremamente importantes para mim... já na comunicação prosaica, hoje eu prefiro a escrita em todos os sentidos.
A tendência espontânea de meu espírito é a oralidade, a ilusão -correspondente a uma das mais fortes tradições da cultura brasileira- de que há algo de mais autêntico no falado do que no escrito.
Mas, com a morte de meu pai, Ewaldo Correia Lima, um intelectual brilhante que praticamente não escreveu coisa alguma, compreendi com uma clareza dolorosa que, ao menos que fossem escritas, as minhas próprias idéias ágrafas estavam sujeitas a um processo progressivo de erosão.
Folha - "Guardar" traz versos que remetem à busca de uma identidade. Esse é o tema?
Cicero - Uns 30% de "Guardar" são produção recentíssima. Demorei muito para publicar um livro de poesia porque, como muitas de minhas letras são gravadas, transmitidas pelo rádio, considero-as publicadas a seu modo.
Acho que isso em parte me eximia da ansiedade do poeta quanto a ter sua obra publicada. Era mais importante para mim publicar um livro de filosofia.
Para mim a filosofia -não a filosofia frufru, antifilosófica, que anda na moda, mas a filosofia que se preza- pretende dizer verdades, e até verdades absolutas, e essas verdades devem ser ditas.
A questão da identidade, ou da negação da identidade, é constitutiva de toda a poesia porque a arte está sempre aquém ou além dos conceitos e da identidade.
Folha - E há as constantes imagens do Rio.
Cicero - Tenho horror aos carioquismos, provincianismos, mas alguns de meus poemas celebram os sentidos, as sensações, a sensualidade, o erotismo, o acaso, e por acaso é aqui que vivo. A poesia não gosta de abstrações, mas de concretudes; e num poema os nomes próprios de alguns lugares do Rio funcionam como condensações taquigráficas.
Folha - O país parece esperar um novo boom de poesia.
Cicero - Em um determinado momento da história civilizadora da vanguarda, muitos poetas devem ter tido a impressão de que se ou se renunciava ao verso e aos recursos poéticos tradicionais, ou se renunciava à modernidade.
Nessas circunstâncias a música popular representou uma saída interessante. Ora, a música pop faz parte do show business e sua mistura vital de negócio e espetáculo, glamour e sordidez. Sua própria vulgaridade lhe dá mais liberdade em relação à poesia livresca.
Hoje essa situação mudou com o triunfo absoluto da vanguarda; os artistas finalmente se deram conta de que todas as formas tradicionais da nossa e de outras culturas, se lhes tornaram disponíveis. Gosto muito dos poetas Carlito Azevedo, Nelson Ascher, Aberto Pucheu e Arnaldo Antunes, entre outros.

Livro: Guardar
Autor: Antonio
Cicero Lançamento: Record
Quanto: não definido (103 págs.)

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