São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 1996
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Caxambu torce por um título 60 anos depois

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

A tarde é chuvosa, mas a torcida comparece. A Portuguesa tem o melhor time, vence por 6 a 1 e sagra-se campeã.
Não, não é uma previsão para a final do Brasileiro. Essa tarde aconteceu em dezembro de 1936. A Portuguesa, jogando em seu campo, então no bairro do Glicério, bateu o Ypiranga e foi bicampeã paulista.
Helio Geraldo Caxambu foi um espectador de luxo do jogo. Era o goleiro reserva da Portuguesa. Na época, só o goleiro podia ser substituído. Assim, ele era o único atleta no banco.
Aos 78 anos, Caxambu é hoje o jogador mais velho ainda vivo da Portuguesa, o único remanescente do bi na década de 30, segundo registros do clube.
"Quando a Portuguesa me ofereceu um contrato, minha mãe não queria que eu jogasse. Dizia que futebol era coisa de boêmio e vagabundo. E era um pouco. Só se treinava às terças e quintas, e os jogos eram só aos domingos", disse Caxambu em entrevista à Folha ontem.
Nascido em Campinas, em 1918, ele veio para São Paulo em 1920, indo morar no bairro onde surgia a Portuguesa, o Glicério.
"Aprendi a jogar na Portuguesa. Devo minha carreira ao clube", disse. Em 1932, ele já atuava juvenil. Logo, passou a reserva de Rodrigues no time principal.
"Eu trabalhava e treinava. Tinha meu salário e ainda ganhava 20 mil réis por jogo", disse.
Depois da campanha de 1936, Caxambu foi contratado pelo São Paulo, que lhe deu um conto de réis de luvas e 300 mil réis por mês."Era um bom dinheiro, mas ninguém ficou rico com futebol na época. Mesmo quem ganhava bem andava de bonde."
Segundo Caxambu, a vida de goleiro era mais difícil naqueles anos. "Era permitido tocar no goleiro na pequena área. Nunca dava para segurar a bola num cruzamento. Você podia acabar com a bola e tudo empurrado para dentro do gol."
Ele recorda também que os goleiros não usavam luva. "Passávamos breu na mão quando chovia, para dar mais adesão. Quando estava seco, cuspíamos. Só nos anos 40 vieram algumas luvas da Argentina, mas poucos aderiram. Elas atrapalhavam."
Em 1943, Caxambu voltou para a Portuguesa, onde ficou até 1950. Encerrou sua carreira em 1952, no Juventus. Além de jogador, foi fundador e primeiro presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo, técnico de futebol e juiz classista.
Disse nunca ter sofrido preconceito por ser negro. "Sempre fui bem tratado, mesmo pelo pessoal do Palmeiras e Guarani, onde negros não jogavam na época."
Torcedor da Portuguesa, ele acha que o time pode vencer o Grêmio hoje. "Já em Porto Alegre, tenho dúvidas."
Confia no seu herdeiro no gol, Clêmer. "É um ótimo goleiro, na melhor tradição da Portuguesa."

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