São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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Modelo inglês, made in Brazil

CELSO PINTO

Quando o senador Antonio Carlos Magalhães disse que preferia ver a Vale sendo privatizada pelo "modelo inglês", usou de excessiva modéstia. O que ele e seu filho Luís Eduardo, presidente da Câmara, tinham em mãos era uma versão tropical, vitaminada politicamente, do "capitalismo popular" inventado pela baronesa Thatcher.
Antes de seguir adiante, é bom frisar que a motivação central de ambos ao levantar a bandeira da pulverização era, acima de tudo, embolar o meio de campo da privatização da Vale e ganhar tempo para não misturá-la com a votação da reeleição. Com a anuência do Planalto.
Para inflar o balão de ensaio, contudo, ambos se armaram com um plano concreto para a pulverização. Ele nasceu nos escritórios do banco Opportunity, fundado pelo baiano Daniel Dantas. É uma tentativa de aproveitar o lado mais atraente do capitalismo popular, reduzindo as perdas que essa opção traz para o Tesouro.
A pulverização atrai politicamente o governo pela possibilidade de vender as ações da Vale a milhares de brasileiros, permitir que eles ganhem algum dinheiro e, com isso, garanta seus votos e sua simpatia em relação à privatização. Exatamente o que fez o partido Conservador inglês na década de 80.
O problema é que, como os fundos de pensão têm perto de 19% do capital votante da Vale, a pulverização consolidaria sua posição de controle e significaria a manutenção da atual administração. O Tesouro perderia o chamado "prêmio de controle", o extra no preço que grupos privados estariam dispostos a pagar caso tivessem certeza que controlariam a Vale.
O plano dos Magalhães tentava minimizar a perda. O governo faria uma oferta de venda dos 51% de ações com direito a voto da Vale e aceitaria ofertas firmes de qualquer interessado. Só que as ofertas só poderiam ser exercidas num prazo de 30 dias.
Recebidas as propostas dos bancos, que obviamente as fariam em nome de grupos interessados, o governo consideraria a mais alta. Essa proposta, é claro, embutiria um "prêmio de controle" no preço ofertado pelas ações da Vale.
Antes de concluir a venda, o governo ofereceria a totalidade das ações para o público, pulverizando a venda em pequenos lotes, por um preço 10% inferior ao da oferta firme de compra. Ao comprar as ações da Vale, o público teria a garantia de que poderia revendê-las, em 30 dias, ao preço original da oferta, embolsando o lucro. Poderia ficar com as ações, se quisesse, mas aí não saberia com certeza se teria lucro depois da transferência do controle da Vale.
Seria uma forma direta de gerar um lucro para a classe média com a venda da Vale, na qual o Tesouro perderia 10% sobre o "prêmio de controle". Numa pulverização simples, a perda tenderia a superar 20%, que é o prêmio hoje existente no preço das ações ordinárias em relação ao das ações preferenciais.
Fica claro, de todo modo, que o Tesouro sairia perdendo, o que não acontecerá no caso da venda do bloco de controle, como prevê o modelo já aprovado pelo BNDES. A reação contrária do BNDES e da Secretaria do Planejamento ao balão da pulverização deixou claro que sua prioridade, no caso da Vale, continua sendo maximizar os ganhos do Tesouro.
O modelo de venda do BNDES, na verdade, é misto: vende-se um bloco de controle numa primeira etapa e mais 30% das ações depois. A segunda etapa prevê a venda pulverizada, aqui e no exterior. Portanto, mesmo sem maximizar o efeito político favorável da pulverização, o governo terá sua chance de inaugurar o capitalismo popular com parte da Vale.
Bônus de 100 anos
Quem se impressionou com o Banco Central brasileiro pela venda, recente, de papéis de um ano de prazo, ficaria abismado com a IBM. Na semana passada, a IBM vendeu US$ 850 milhões em bônus com prazo de 100 anos, pagando juros de 7,2% ao ano, bem menos do que qualquer banco ou empresa brasileira paga hoje para lançar um eurobônus de três anos.
Outras 20 empresas já haviam lançado bônus de 100 anos, diz o jornal "Financial Times", entre elas a Walt Disney e a Coca-Cola, num total de US$ 4,3 bilhões, mas nenhuma com um valor tão alto quanto o da IBM.

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