São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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Relevâncias esquecidas

JANIO DE FREITAS

Entre os aspectos desconsiderados no caso do deputado Pedrinho Abrão, acusado de tentar extorquir uma empreiteira, dois não poderiam ficar excluídos dos exames da comissão de sindicância, para sugerir a cassação ou absolvição do parlamentar. Antes de estourar o escândalo, com a acusação ao deputado pelo ministro Gustavo Krause, o que a empreiteira Andrade Gutierrez pretendia da Comissão de Orçamento não era só a permanência dos R$ 42 milhões, propostos pelo governo, para a continuação de suas obras no açude Castanhão, Ceará. A empreiteira desejava o aumento da verba, por emenda parlamentar ao Orçamento, para R$ 65 milhões.
Os deputados atentos ao assunto, em especial na Comissão de Orçamento e na comissão de sindicância, sabem desse antecedente do escândalo, assim como jornalistas. Se considerado, em vez de desprezado, o objetivo inicial da empreiteira pode dar nova configuração ao episódio. E não necessariamente em favor de Abrão, que bem poderia ter feito exigências para atender a empreiteira e, até, ameaçado extinguir a verba já orçada por nada receber pela maior.
Mas também deveria ser examinada a possível denúncia contra o deputado, pelo dirigente da Andrade Gutierrez que a fez ao Ministério do Meio Ambiente, para afastar Abrão e substituí-lo por alguém já acertado com os R$ 65 milhões desejados pela empreiteira.
Antes de condenar ou absolver o deputado, todas as versões e hipóteses deveriam ser examinadas só por ser a denúncia, ela própria, já suspeita desde sua origem: uma empreiteira presente em todas as fraudes de concorrência de obras públicas já divulgadas, além de outras modalidades de corrupção. De repente, por causa de R$ 2 milhões, ridículos em comparação com tantos outros subornos pagos pela Andrade Gutierrez, os seus agentes corruptores tornam-se denunciantes das práticas de sua especialidade. Os anjinhos que queiram crer na conversão empreitada, façam bom proveito.
Motivo a mais para que a comissão de sindicância esmiuçasse bem os pormenores do episódio é a conveniência, para o projeto de reeleição e seus patronos, da derrubada de um deputado cada vez mais incômodo e menos confiável para a Presidência da República. Como líder do PTB, agora substituído pelo paulista Vicente Cascione, ele se tornara um fator a mais de risco para a tática reeleitoreira ajustada entre Fernando Henrique Cardoso e Luís Eduardo Magalhães.
Por piores que fossem ou sejam os antecedentes de Pedrinho Abrão, sua cassação será a cassação de um mandato parlamentar com base, só, em incomprovadas acusações de um empreiteiro, repetidas por testemunhas que nada testemunham, mas apenas dizem o que ouviram do mesmo empreiteiro.
A hipótese da tentativa de extorsão não está desfeita pela defesa do acusado. Há muito mais a ser investigado, no entanto, na própria Comissão de Orçamento e no governo.

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