São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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Contra o obeso

ALFREDO HALPERN

Acaba de ser concretizada mais uma das inúmeras tramas que visam a cercear a liberdade dos médicos de tratar a obesidade. Uma portaria assinada pela Vigilância Sanitária, com apoio do Ministério da Saúde, coloca tais obstáculos na prescrição de medicamentos para combate à obesidade, que certamente farão com que muito paciente que deles necessita seja privado do seu uso.
Tendo em vista que a obesidade é doença crônica, que pode matar (é a segunda causa de morte "prevenível" dos Estados Unidos, responsável por 300 mil óbitos por ano, atrás apenas do cigarro), pode-se prever que tal restrição tenha um impacto nada desprezível na saúde da população brasileira. Cerca de um terço dos brasileiros tem excesso de peso, e pelo menos 30% tiveram, têm ou vão ter problemas graves relacionados à obesidade.
Não estou falando de estética, mas sim de saúde. Falo de hipertensão arterial, de colesterol elevado, de diabete mellitus, de infarto do miocárdio, de acidentes vasculares cerebrais.
Coibir o uso de medicamentos contra a obesidade é uma medida que revela de uma maneira nítida o preconceito que existe contra o obeso e a desinformação sobre a obesidade, que deve ser, repito, encarada como uma doença e não simplesmente uma situação de falta de caráter ou auto-indulgência. Restringir o uso de medicamentos contra a obesidade é comparável a inibir o acesso de indivíduos com hipertensão arterial ou diabete mellitus aos medicamentos que combatem essas doenças.
Há abuso na prescrição de medicamentos para o tratamento da obesidade no Brasil? Certamente há! Profissionais desonestos usam e abusam dessas substâncias para tratar qualquer indivíduo desejoso de emagrecer. Que se combatam esses profissionais de acordo com leis mais eficientes, mas que não se bloqueiem médicos conscientes no seu dever de tratar o melhor possível seus pacientes.
Têm os medicamentos utilizados no combate à obesidade, por vezes, efeitos indesejáveis? Certamente que sim, mas isso acontece com qualquer medicamento em qualquer especialidade. Bem indicados, no entanto, o benefício do seu uso é muito maior que os seus riscos.
Sou representante da América do Sul no International Obesity Task Force, que é uma força-tarefa apoiada pela Organização Mundial da Saúde, e posso assegurar que a opinião unânime entre os profissionais que lidam com o assunto obesidade no mundo inteiro é que chegou a época de admitirmos que muitos casos de obesidade necessitam de tratamento com medicamentos.
A portaria da Vigilância Sanitária nos coloca -aliás, como é muito frequente no Brasil- na contramão de todo o avanço que o mundo científico vem adquirindo sobre o assunto, e, pior, os maiores prejudicados serão os obesos.

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