São Paulo, quinta-feira, 12 de dezembro de 1996
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Vidal conta memórias em 'Palimpsesto'

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Segundo o prefácio do livro de Gore Vidal, "Palimpsesto" quer dizer pergaminho, papel sobre o qual já se escreveu duplamente, a escrita original tendo sido apagada. É fazer isso o que ele pretende ao escrever suas memórias, lançadas no Brasil pela editora Rocco.
Escritor, roteirista de cinema e político, Vidal, 66, transitou pela Casa Branca enquanto Kennedy esteve na presidência, conviveu com Paul Newman e Joanne Woodward, entre outros astros de Hollywood, e era amigo íntimo do teatrólogo Tennessee Williams.
Sua vida, contada com idas e vindas cronológicas, dá uma outra versão a algumas histórias. É o que acontece, por exemplo, quanto a seu relacionamento com a escritora Anaïs Nin e, algum tempo depois, com o beat Jack Kerouac.
Neto de um senador e candidato ao Senado, Vidal teve sua carreira política prejudicada por ter assumido relacionamentos homossexuais. Mas o homem que passou parte da infância no quarto que viria a ser de Jacqueline Kennedy Onassis nunca abandonou os círculos de poder.
"Não é interessante saber o que aqueles que comandam estão fazendo e pensando?", perguntou, em entrevista por fax à Folha. A seguir, leia os principais trechos.
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Folha - Alguns críticos disseram que "Palimpsesto" é antes de mais nada um livro de fofocas. Isso o incomoda?
Gore Vidal - O que é fofoca, uma vez que quase nenhuma das pessoas que eu menciono no livro são conhecidas por não norte-americanos e algumas delas nem por eles (particularmente os jovens)? George Santayana foi um filósofo brilhante e eu acho bom que os leitores de hoje saibam sobre ele e conheçam nossas conversas.
Não acredito que ninguém no Brasil (nem nos Estados Unidos, antes da publicação do livro) soubesse quão perto o mundo esteve de uma guerra nuclear durante os dias que passei em Hyannis com os Kennedy, enquanto o muro de Berlim era erguido. Não é interessante saber o que os que comandam -que poderiam ser seus executores- estão fazendo e pensando? Ou isso é apenas fofoca?
Folha - O sr. trata as mulheres (especialmente sua mãe e Anaïs Nin) sem nenhuma complacência. Poderia comentar isso?
Vidal - Mulheres não são tratadas de forma pior que os homens em minhas memórias. Eu balanceio o estudo de meus personagens com o bom, o mau e o misterioso. Jackie aparece muito bem em Hyannis quando vira para o presidente e o acusa de pôr em risco as crianças com jogos políticos. Eleanor Roosevelt é, espero, tão nobremente descrita como era na verdade. Minha mãe aparece como uma figura cômica, enquanto Anaïs era mais conhecida pela exuberância de suas mentiras e seu amor-próprio.
Folha - O sr. viveu toda a vida entre pessoas famosas e poderosas de três áreas diferentes. Onde havia mais intriga: Hollywood, Washington ou nos círculos literários?
Vidal - Eu evitei escritores, com exceção de Tennessee Williams, Paul Bowles e Christopher Isherwood. Eles era amigos com quem rir. Mas eu nunca evitei livros, como as pessoas fazem atualmente, então faço comentários sobre quase todo mundo, de Montaigne a Lucrecius. Hollywood e Washington DC são muito parecidas e cresceram mais agora que a política foi removida das nossas eleições e imagem é tudo.
Folha - Qual importância o sr. atribui a Tennessee Williams?
Vidal - Tennessee Williams era nosso melhor teatrólogo; ele era maravilhosamente engraçado; ele se matou com drogas e álcool e não havia nada que se pudesse fazer.
Folha - Tendo tantos problemas com a revista "Time" e o jornal "The New York Times", o que o sr. acha das resenhas de seus livros e qual sua opinião sobre a imprensa norte-americana?
Vidal - Eu sofri com o "New York Times" tanto quanto Tennessee sofreu -umas 30 peças e filmes dele foram selvagemente atacadas. Mas ele venceu. Eles o colocaram na capa da "Time", finalmente. Venci também: eles me colocaram na capa da "Time".
Mas a crítica literário nos EUA não tem muita importância. Se você quer saber qual a posição literária de um escritor, consulte um crítico como Harold Bloom, que me incluiu no "Cânone Ocidental", que começa com Homero. A imprensa é simplesmente tonta, sexual, política e coisas do tipo.
Folha - O fato de o sr. ser declaradamente homossexual prejudicou sua carreira política. Na sua opinião algo mudou nos EUA com relação aos dias de hoje?
Vidal - Ninguém é gay. Ninguém é heterossexual. Essas são categorias artificiais usadas por centros de poder para categorizar e controlar os indivíduos que são, por natureza, mesmo que não pratiquem, bissexuais. Quando escrevi "A Cidade e o Pilar", aos 22 anos, percebendo essa naturalidade do comportamento humano, despertei tanta fúria na imprensa e na igreja que uma carreira política convencional não foi possível.
Mas em 1960 tive mais de 20 mil votos para o congresso do que Kennedy conseguiu para presidente num distrito de Nova York. Em 1982 tive meio milhão de votos para senador pela Califórnia gastando quase nenhum dinheiro. Se quisesse um cargo, teria comprado, como todo mundo faz agora. Mas eu apenas queria discutir política, como um leitor das memórias pode perceber.

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