São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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A semana de aulas

JANIO DE FREITAS

Empresas de comunicação com dívidas em entidades oficiais estão sendo avisadas de que devem se pôr ao serviço, imediatamente, da campanha pela reeleição e recusar qualquer destaque a Paulo Maluf. A desobediência implicará a cobrança dos débitos atrasados sem mais parcelamentos ou carências e, daqui para a frente, pagamento à vista dos novos débitos.
Televisões, por exemplo, têm gastos muito altos junto às estatais Telebrás e Embratel, daí se acumulando, em casos numerosos, dívidas altas e dependentes de recomposições sucessivas. A sustação das carências e parcelamentos ou, na outra hipótese mencionada, a suspensão dos serviços estatais resultaria, para emissoras com débitos altos naquelas estatais, em estrangulamento inapelável.
O assunto foi discutido, já na semana passada, entre empresários de comunicação com presença nas maiores capitais.
Mas os fatos públicos da semana não foram menos reveladores do caráter da atualidade, nela incutido por quem tem poder para fazê-lo. É admirável, neste sentido, a clareza do que ocorreu com a CPI do Orçamento. Os muitos e graves indícios de que os hábitos dos "anões" cassados não se extinguiram, apenas modificaram-se, depressa preencheram as assinaturas necessárias ao pedido de nova CPI.
No dia mesmo, a quinta-feira, em que era constatada a manipulação de altas verbas pelo próprio relator do Orçamento, senador Carlos Bezerra, que as retirou da Saúde e da Educação para setores que beneficiam as grandes empreiteiras, nesse dia a CPI foi inviabilizada repentinamente. Um título da Folha de sexta-feira dizia o necessário: "Ação de FHC barra criação da nova CPI do Orçamento".
O motivo da ação é, nem poderia ser outro, a eliminação de qualquer possibilidade de algum percalço no cronograma da reeleição, cujo projeto Fernando Henrique Cardoso quer votado na primeira quinzena de janeiro. O que aconteça ao dinheiro público, nos descaminhos soturnos do Orçamento para 97, é irrelevante, dada a predominância da reeleição na moralidade política e pessoal do interessado.
A CPI foi inviabilizada pela ordem de que sete senadores retirassem suas assinaturas no requerimento. Como todo o episódio se passava no âmbito da moral, cabe aqui notar que, nele, a assinatura em um documento não vale por suas implicações legais, mas por ser a forma escrita do que, oralmente, se explicita na expressão "palavra de honra". Na assinatura e na expressão é, pois, o mesmo valor que está em jogo. Boa razão para memorizar-se o que fizeram desse valor, com a invalidação de suas assinaturas, os sete senadores: o paraibano Ney Suassuna, o paranaense Andrade Vieira, o maranhense Francisco Scórcio, o piauiense Lucídio Portella, a mineira Regina Assunção, Geraldo Mello, do Rio Grande do Norte, e Lúdio Coelho, do Mato Grosso do Sul.
Prova a mais de que a semana foi didática veio, mesmo, da Educação. Com a decisão governamental que se explica bem por esta comparação: o dinheiro entregue a qualquer cineasta passivo para fazer um arremedo de filme, ou posto em um showzinho de rock, por exemplo, é dedutível do Imposto de Renda, mas o dinheiro gasto com material escolar de um filho, ou para que aprenda uma língua, ou na preparação para o estúpido vestibular -ah, isso não pode mais ser deduzido, não. Isso é gasto com Educação, e onde é que nós estamos, senão no governo do professor que proclamou 96 como "O Ano da Educação"?
A semana foi didática demais para o espaço disponível aqui. Mas não é preciso ir adiante, mesmo: só continua se enganando quem tem interesse nisso ou vontade disso.

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