São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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A Rede sai da fantasia

CELSO PINTO

Foi completada, anteontem, quase na surdina, uma operação que, há alguns anos, era considerada um delírio impossível: o arrendamento e concessão da maior parte da Rede Ferroviária Federal. Das seis malhas, fica faltando apenas a Nordeste, com leilão previsto para março.
A Malha Sul saiu, anteontem, com ágio de 37%, mas o sucesso do programa deve ser visto em várias dimensões. Num país com vocação ferroviária óbvia, pelo seu tamanho, o Brasil só transporta 9% das cargas por trens (ou 21% se computada a rede da Vale do Rio Doce). No Canadá, em comparação, a participação é de 40%.
A Rede havia se transformado num gigantesco cabide de empregos e num gerador de megaprejuízos. A Rede chegou a ter 90 mil funcionários em 80, tinha 42 mil quando entrou no programa de privatização em 93 e cortou para 22 mil com o programa de demissão voluntária. A operação privada usará bem menos de 20 mil.
O enxugamento, inevitável, acabou absorvido. Estela Palombo, superintendente de privatização do BNDES, conta que a pressão do sindicato e de deputados, no caso da Malha Sul, não foi em função da redução recente de 7.600 para 6.900 funcionários, mas porque 800 funcionários não conseguiram ser incluídos no programa de demissão voluntária. Chegou a haver ameaça de greve em favor da demissão de mais 800 funcionários.
A Rede teve prejuízo de R$ 1,1 bilhão em 94 e R$ 291 milhões em 95. Sua dívida é de R$ 2,8 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão em passivos trabalhistas. Era invendável e não tinha a menor condição de investir. A discussão sobre maior uso de ferrovias no Brasil era retórica: na prática, não havia como fazê-lo com a Rede.
O arrendamento e concessão por 30 anos das seis malhas da Rede vão render R$ 1,4 bilhão. Os investimentos privados previstos vão a R$ 4,2 bilhões, dos quais R$ 887 milhões nos cinco primeiros anos. A dívida de R$ 2,8 bilhões da Rede deverá ser liquidada com a venda gradual de seus ativos não-operacionais, estimados em R$ 4 bilhões (florestas, casas, estações etc.). A Rede ficará com apenas 900 funcionários para fiscalizar e operar a concessão.
Os que achavam que a Rede era um problema insolúvel devem estar surpresos com o interesse que a ferrovia passou a despertar como negócio. Três das cinco malhas foram vendidas com ágio, e literalmente dezenas de grupos nacionais e estrangeiros estão gerindo, em consórcio, as ferrovias.
O BNDES imaginava que, pela decadência das condições da antiga Malha Oeste, o concessionário amargaria pelo menos dois anos de prejuízo. O leilão foi feito em março e a previsão é que a ferrovia feche o ano já em equilíbrio.
Palombo diz que vários projetos, no Mato Grosso do Sul e Minas, foram montados porque passou a existir um transporte confiável. Com a ferrovia, voltou-se, por exemplo, a plantar grãos em Campo Grande (MS).
O modelo de venda foi inovador. Em vez de fazer uma enorme lista de exigências para cada concessão, o BNDES criou apenas duas metas: de produção e de segurança. Dadas as metas e o valor de venda, o BNDES sabe que o concessionário só terá lucro se fizer um certo volume de investimentos. O administrador privado escolhe a melhor forma.
Quando foi imaginado, o modelo era uma incógnita. A Argentina, por exemplo, optou por listar exigências no contrato e se deu mal. Hoje, a opção brasileira é considerada vitoriosa e o sucesso estimulou o Banco Mundial a abrir um empréstimo de US$ 700 milhões para o programa.
O modelo impede que uma empresa tenha mais de 20% do controle, o que obriga a uma gestão consorciada, com interesses diversificados e vigilância mútua. Além disso, os consórcios terão que abrir seu capital em 36 meses, aumentando sua transparência.
Outro impacto positivo, lembra Palombo, é o fato de os consórcios incluírem várias empresas de transporte intermodal (que usa vários meios diferentes). A antiga rivalidade rodovia versus ferrovia deve ceder lugar a operações conjugadas e lucrativas.
A maior eficiência das ferrovias, de outro lado, já está começando a forçar um aumento da eficiência nos portos, um grande ponto de estrangulamento. Afinal, ferrovias normalmente acabam em algum porto.

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