São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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Sputinik e Brasília marcam o início de um novo tempo

Em 57, JK surpreendia com a contrução de Brasília

CARLOS HEITOR CONY
DO CONSELHO EDITORIAL

Em todos os sentidos: 1957, como aquele personagem que fazia prosa sem saber, marcou, também sem saber, o início de um novo tempo na história do Brasil e do mundo. Foi nesse ano que os russos lançaram o Sputnik -que abriu a largada para a conquista do espaço. E Juscelino Kubitschek declarou que a construção de Brasília atingia a um ponto irreversível.
A humanidade teria de se preocupar com o espaço -embora até hoje não tenha havido um retorno proporcional ao investimento. E o Brasil assumia, de boa ou má vontade, o otimismo e entusiasmo desenvolvimentista de JK.
Evidente que o Sputnik e Brasília podiam (e ainda podem) ser questionados. Mas tornaram-se emblemas de um mundo novo que surgia. Foram momentos de um processo. Para ficar apenas no caso brasileiro: 1957 teve não apenas uma inflação baixa, inferior a 10% ao ano, mas um ritmo de euforia que se prolongaria nos quatro anos seguintes.
Há uma foto da época que fez história: JK recebe Louis Armstrong no Palácio do Catete (Rio). Sem muita cerimônia, os dois estão abraçados numa espécie de suruba afetiva, com alguns dos maiores nomes de nossa arte popular: Dorival Caymmi, Herivelto Martins, Lamartine Babo, Pixinguinha, Ataulfo Alves, Lupicínio Rodrigues. Ninguém ganhava cachê para sair numa foto dessas.
Outra foto da época: Raymond Cartier, vedete do "Paris Match", é levado por JK para ver os canteiros de obras de Brasília. O mundo não acreditava naquela aventura, e muita gente no Brasil também duvidava. Deu tudo certo.
O doutor Ademar de Barros, ex-interventor, ex-governador, ex-foragido da Justiça, elegia-se prefeito de São Paulo, queria chegar a presidente e lançou seu grito de guerra: "Dessa vez, vamos!". Não foi.
Como capital da República, o Rio era ainda o Rio. Nelson Rodrigues estava em cartaz no teatro Serrador com 'À mulher sem Pecado", juntando no mesmo palco sua irmã Dulce e Jece Valadão, seu futuro cunhado. O movimento dos poetas concretos, nascido timidamente no ano anterior em São Paulo, ganhava força com a adesão (provisória) da turma do Rio.
Nas rodas intelectuais, o sucesso era ler e discutir Albert Camus, que ganharia o Nobel daquele ano. Um jóquei tinha a popularidade de um astro do futebol ou da música popular: Luiz Rigoni era o Leguisamo nacional, teve até quem lhe cantasse a glória, tal como Gardel cantara a do jóquei argentino.
Bom mesmo era ver Brigitte Bardot em sua estréia, dando seu recado de cabo a rabo em 'È Deus Criou a Mulher", por sinal, com mais rabo do que cabo.
A moral e os bons costumes sofriam seus primeiros embates: a juventude andava em lambretas italianas, um jovem na frente, uma jovem atrás. Não havia estupro: havia curra. Podia ser a mesma coisa mas era diferente. Como o Sputnik e o ritmo bossa nova de JK, tudo estava dando certo.

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