São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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Menina chega a crescer 18 cm em 20 meses

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Karina chegou ao Centro de Recuperação e Educação Nutricional da Universidade Federal de São Paulo com 1 ano e meio e 74 cm -7,9 cm a menos do que as crianças de sua idade.
Após 20 meses de tratamento à base de arroz, feijão e carne, cresceu 18 cm -o normal para a idade nesse período seria um salto de 14,4 cm. Está com 92 cm, 3,3 cm abaixo da média para sua idade atual (3 anos e dois meses).
Fome mesmo, a menina nunca passou, segundo sua mãe, Rosângela Maria de Brito Santos, 38, uma faxineira-diarista que tem outros cinco filhos.
Karina nunca teve a aparência daquelas crianças famélicas da Índia ou de Biafra. Faz parte de um novo gênero de subnutridos que cresce nas grandes cidades -as crianças que comem mal.
São vítimas de descuido ou de maus-tratos, como diz o epidemiologista Cesar Victora, consultor de nutrição do Unicef, a entidade das Nações Unidas que trata das questões da infância.
"Fome por falta de comida está ficando cada vez mais rara no Brasil", afirma Victora. "O problema é falta de alimento adequado, com os nutrientes que o corpo precisa para se desenvolver".
Mãe de família
Foi o que aconteceu com Karina, segundo sua mãe. O primeiro marido dela morreu com Aids em 1988. Era Rosângela quem tinha de sustentar as duas filhas.
Casou-se em 1989 e sua vida piorou -passou a ter de sustentar mais quatro filhos e o marido. Ano passado, se separou. Deixou a favela e vive com os seis filhos num apartamento do Cingapura, ao lado da rodovia Imigrantes, na zona sul de São Paulo.
"Meu marido não punha comida em casa. Eu tinha de cuidar de tudo, trazia comida para casa, mas não conseguia dar na hora certa. O serviço atrapalhava", conta.
Com o tratamento, Karina está com a mesma altura da irmã Camila, 4, um ano mais velha.
A história de Viviane só varia nos centímetros. Com 1 ano e 7 meses, chegou ao centro de nutrição com 77,8 cm, 6 cm abaixo da média para a idade. Hoje está com 97,5 cm -só 1,7 cm abaixo da média para uma menina de 3 anos e meio.
"Ela não crescia porque minha cunhada não dava comida para ela", conta Marlene Cardoso dos Santos, 40, a mãe da garota.
Com comida, Viviane foi perdendo os sinais de subnutrição -cabelos quebradiços e sem brilho, pele opaca e com manchas.
Segundo a mãe, antes do tratamento a menina começava a ter problemas de fala, não conseguia repetir as palavras que ouvia.
"Com comida, ela voltou a falar como um papagaio", conta.
Marlene também é faxineira-diarista. Também sustenta cinco filhos, o marido e um cunhado com os R$ 430 que recebe por mês.
"É claro que não dá para viver com isso. Mas vou fazer o quê? Pobre tem que viver com o que tem", conforma-se.
(MCC)

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