São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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Racionalizando o financiamento da Seguridade

MARCELO VIANA ESTEVÃO DE MORAES; LUDMILA DEUTE RIBEIRO

MARCELO VIANA ESTEVÃO DE MORAES e LUDMILA DEUTE RIBEIRO
O projeto de lei complementar nº 97, de 1996, de autoria do deputado e atual ministro do Planejamento Antonio Kandir, propõe a substituição das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento (Cofins), a receita (PIS/Pasep) e o lucro líquido das empresas por uma única contribuição social, incidente sobre o lucro bruto mensal, destinada ao financiamento da Seguridade Social.
Esse projeto pode ter impactos positivos do ponto de vista macroeconômico e social e sobre a arrecadação da Previdência Social.
No que se refere à arrecadação global e à vinculação de receitas, o projeto em questão pretende-se neutro. Por um lado, a alíquota proposta deve ser capaz de gerar recursos em montante equivalente ao arrecadado pelas contribuições sociais que seriam extintas, o que significa que não haveria perda de receita.
Por outro lado, a arrecadação seria distribuída respeitando-se as vinculações hoje existentes, mantendo-se estável a participação de cada uma das áreas da Seguridade Social na distribuição destes recursos.
A contribuição social sobre o lucro bruto apresenta as vantagens da simplificação da estrutura contributiva, decorrente da substituição de várias contribuições sociais por uma única, e da superação dos inconvenientes da incidência em cascata das contribuições hoje incidentes sobre o faturamento e a receita.
Dessa forma, a nova contribuição, principalmente no que concerne aos setores com cadeias de produção longas, corrigiria distorções na estrutura de preços relativos, particularmente indesejáveis em um momento de forte exposição do parque produtivo nacional à concorrência estrangeira.
Além disso, como a contribuição sobre o lucro bruto não incidiria sobre as exportações, haveria adicionalmente uma redução da carga tributária incidente sobre os produtos brasileiros vendidos ao exterior, aumentando a competitividade destes.
Assim, o projeto contribuiria para a consolidação do processo de estabilização econômica, inibindo as restrições impostas pela balança comercial ao crescimento econômico.
Além das positivas repercussões macroeconômicas, o referido projeto pode ter impactos importantes na área social. O texto prevê que poderão ser deduzidas do lucro bruto mensal as despesas com mão-de-obra e respectivos encargos sociais, o que permite que a nova contribuição funcione como um mecanismo compensatório para as empresas que são mais oneradas pela contribuição social sobre a folha de salários.
Com efeito, a nova contribuição poderia trazer um alívio da carga tributária global incidente sobre os setores intensivos em mão-de-obra, que seriam menos onerados pela nova contribuição do que pelas atualmente vigentes, propiciando, por outro lado, um aumento da arrecadação oriunda de setores com maior capacidade contributiva.
Esse mecanismo simples de compensação endógena -quem paga mais contribuição sobre a folha pagará menos sobre o lucro bruto e vice-versa- permite uma alocação mais justa da carga tributária entre os setores, sem que seja necessário apelar para mecanismos complexos, baseados em alíquotas diferenciadas, de difícil operacionalização e com grande margem de discricionariedade em sua definição.
Tal mecanismo, além de reduzir os encargos dos que geram empregos, também pode favorecer a formalização, pois será de interesse do contribuinte declarar corretamente seus custos com mão-de-obra, de modo a deduzi-los quando do recolhimento da contribuição sobre o lucro bruto.
Assim, a aprovação da contribuição social sobre o lucro bruto pode repercutir positivamente sobre a arrecadação da Previdência Social, principalmente quando o aumento do valor real dos benefícios e a redução dos recursos provenientes de aplicações financeiras aumentam a vulnerabilidade do sistema.
Não obstante todos esses aspectos favoráveis, que justificariam a criação da nova contribuição, parece aconselhável que qualquer mudança na estrutura de financiamento deva vir acompanhada de uma regra de transição que permita o monitoramento de eventuais impactos adversos sobre o fluxo de receitas da Seguridade Social.

Marcelo Viana Estevão de Moraes, 31, é secretário de Previdência Social e vice-presidente da Conferência Interamericana de Seguridade Social.
Ludmila Deute Ribeiro, 36, é coordenadora-geral de Estudos Previdenciários.

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