São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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"Efeito Cinderela" ameaça as Bolsas

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O rumor de que os japoneses estariam dispostos a levar seu dinheiro de volta para casa e a afirmação do presidente do Fed (banco central dos EUA), Alan Greenspan, de que as Bolsas vivem uma fase de "exuberância irracional" foram os dois fatos mais marcantes das últimas semanas, trazendo de volta o fantasma de uma crise de realização de lucros em Wall Street.
Aliás, o "Wall Street Journal" publicou não apenas a notícia sobre os japoneses, mas também uma divertida descrição do jantar em que Greenspan fez sua declaração aterrorizadora.
Alguns dos mais principais jornalistas financeiros da atualidade, assessores do presidente Clinton e gênios das finanças ouviam uma longa e entediante retrospectiva histórica sobre as instituições monetárias norte-americanas. A certa altura, Greenspan fez o comentário sobre a "exuberância" que abalaria os mercados asiáticos e depois Nova York. O "Journal" relata que os notáveis comentaram a ausência de notícia no jantar. Horas depois viriam a se dar conta do terremoto.
Nove em cada dez operadores de mercado têm uma resposta pronta para quem pergunta pelos motivos da alta exuberante da Bolsa de Nova York. Liquidez. Simplesmente há dinheiro demais em busca de oportunidades de valorização.
É aliás a mesma justificativa para a superação do "efeito tequila", para o sucesso das "âncoras cambiais" dos últimos anos e para a defesa da mais ampla e irrestrita liberalização dos movimentos de capitais em escala global.
Assincronias
Os mercados financeiros acabam sendo embalados num truísmo: a valorização ocorre sem parar porque não param de surgir excedentes à busca de valorização.
Mas nada garante que o ciclo virtuoso continue indefinidamente. Há pelo menos duas mudanças no mundo real que podem abalar a confiança na roda da fortuna.
Em primeiro lugar, a liquidez que buscou Wall Street nos últimos dois ou três anos veio em boa medida de países riquíssimos, mas virtualmente estagnados, como Japão e Alemanha. Agora, ainda que timidamente, esses países ensaiam uma recuperação, enquanto nos EUA o sinal fica invertido e a economia desacelera. Há quem tema os efeitos dessa assincronia, que pode resultar em deslocamentos de capitais para fora dos EUA se os juros ali não subirem.
Mas se a economia norte-americana crescer menos, ou seja, se houver redução dos lucros das empresas com ações em Bolsas, como apostar na valorização contínua de sues papéis?
Lucros decrescentes não rimam com dividendos crescentes. De repente, pode ficar clara uma assincronia entre retornos reais e expectativas de retorno.
Se eu possuo algo que está caro demais, o racional é vender o ativo e colocar no bolso o ganho extraordinário. É o que se poderia chamar de "efeito Cinderela": um lapso de bom-senso, a decisão de que a festa foi boa, mas já é hora de voltar para casa.
Na versão financeira do mito, pode generalizar-se a percepção de que é preciso realizar os lucros (vender as ações) antes que o sonho vire pesadelo.

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