São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 1996
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Mercosul e Nordeste: desafio e oportunidade

TASSO JEREISSATI

A 11ª Reunião do Conselho do Mercosul, que se realiza no Ceará, representa um novo marco na integração sul-americana, cujos esforços remontam à constituição da Alalc, em 1960. O grupo ganhará formalmente novos sócios, o Chile e a Bolívia, e teremos avanços importantes da integração em seu aspecto não estritamente econômico, nas áreas de previdência, cultura e imprensa.
Além disso, a realização do evento na região -decisão mais que correta do presidente Fernando Henrique Cardoso- muito contribuirá para mostrar que o Mercosul não é voltado apenas para os Estados do Sul e do Sudeste, mas para todo o território nacional. A partir de agora, as nações irmãs do Cone Sul têm melhores condições de avaliar o enorme potencial de complementaridade econômica com as regiões Nordeste e Norte do Brasil, abrindo novas oportunidades de intercâmbio entre os nossos países.
Essa expectativa não se baseia em um otimismo vazio, mas em dados da realidade. O intercâmbio do Nordeste com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai já supera US$ 1 bilhão ao ano, ou quase 9% do intercâmbio total do bloco com o Brasil. De 1991 a 1995, as exportações nordestinas para aqueles países cresceram 199%, contra um crescimento de 167% das exportações brasileiras. Enquanto as importações totais do Brasil àquele mercado cresceram 139%, as do Nordeste atingiram 222%.
Percebe-se, portanto, que o Nordeste, ao contrário do que pensam alguns, representa um parceiro importante para os demais países membros do acordo. Alguns outros fatos da realidade, contudo, nos mostram que será preciso enfrentar desafios e ameaças para que a integração do Nordeste ao mercado globalizado prossiga em benefício de todos.
Dados do Banco do Nordeste mostram uma pauta de importação e exportação entre a região e o Mercosul excessivamente concentrada. Exportamos produtos químicos e petroquímicos, cacau e suas preparações, alumínio em bruto, açúcar, castanha de caju, cera de carnaúba, fios e tecidos de algodão, artigos de vestuário, equipamentos elétricos e eletrodomésticos. E importamos trigo, malte, algodão, nafta, óleo de soja bruto, arroz, carnes, pescado, laticínios e combustíveis.
Essa concentração reflete, obviamente, os requisitos de complementaridade da estrutura produtiva entre as partes e os diferenciais de produtividade existentes entre os respectivos setores concorrentes no Mercosul e no Nordeste brasileiro.
Em outras palavras, os setores nordestinos que são complementares para os parceiros do Mercosul aumentam suas vendas, ao passo que aqueles que estão em competição enfrentam dificuldades: a concorrência favorece os setores similares que dispõem de melhores condições de qualidade e preço.
Como o setor rural nordestino encontra-se geralmente em posição desvantajosa em termos de eficiência produtiva, alguns de seus segmentos sofrem muito com a investida dos produtos agropecuários da Argentina, do Paraguai e do Uruguai.
Em função desse quadro, e considerando que o processo de integração sul-americana é irreversível, devemos procurar entender melhor os fundamentos das trocas comerciais entre o Nordeste e os países do Mercosul. E, a partir disso, adotar políticas públicas (industrial, agrícola, tecnológica etc.) e mecanismos de intervenção capazes de contrabalançar a fragilidade econômica, a deficiência infra-estrutural e a má distribuição de renda no Nordeste, que ora interagem como fatores restritivos à competitividade internacional da região.
Desse modo, em vez de superestimar as eventuais ameaças que o avanço do Mercosul possa trazer à economia nordestina, o momento em que se realiza a reunião do conselho no Ceará deve servir para a reflexão mais profunda do tema em suas múltiplas ramificações, de modo a permitir o delineamento de estratégias e linhas de ação públicas e privadas que minimizem as desvantagens estruturais existentes e potencializem oportunidades advindas da integração dos mercados latino-americanos.
Entenda-se que não se está propondo nenhum tipo de privilégio de tratamento para o Nordeste, que tem dado provas cabais de sua capacidade de superar dificuldades históricas e crescer.
As estratégias e linhas de ação que venham a ser propostas, no sentido do aumento da competitividade da região, deverão estar em consonância com as posturas que têm garantido até aqui o sucesso do Mercosul: incentivo à liberalização econômica, estabilização monetária, modernização do sistema produtivo e reformulação do papel do Estado, tendo como princípios a consolidação da democracia e a busca de justiça social.

Tasso Ribeiro Jereissati, 48, é governador do Estado do Ceará. Foi governador do Ceará (1987 a 91) e presidente nacional do PSDB (1991 a 93).

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