São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 1996
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As bombas provocarão novas explosões

JULIO DE SÁ BIERRENBACH

A imprensa acaba de noticiar o término das investigações que a OAB-RJ encomendou a particulares para apontar os autores do atentado que sofreu em agosto de 1980. Seriam "cerca de 20 pessoas, a maioria militares". O assunto está em ebulição em Brasília.
Há semanas, também, o deputado Hélio Bicudo encaminhou à Procuradoria Geral da República o pedido de reabertura do caso Riocentro, esperando que o dr. Geraldo Brindeiro acione a Polícia Federal no sentido de instaurar inquérito e apurar devidamente o atentado terrorista ocorrido em 30/4/81.
Por todos os detalhes que conheço do inquérito policial militar (IPM) realizado no 1º Exército e pelo procedimento da Procuradoria Geral da Justiça Militar, nas três oportunidades em que o fato chegou ao Superior Tribunal Militar, em 81, 85 e 88, o deputado Bicudo não tinha outro caminho a tomar. O caso não saiu da esfera do Executivo. O procurador-geral da Justiça Militar é subordinado ao Ministério da Justiça, e, apesar de todos os indícios de autoria constatados, não houve denúncia. Sem denúncia, não há ação judicial.
O capitão Wilson Chaves Machado foi ouvido três vezes como testemunha. Já que se encontrava em "missão de informações", conforme o IPM, deveria ter sido ouvido como vítima ou indiciado -nunca como testemunha.
De que a solução do IPM foi uma farsa ninguém tem dúvida. Mas o papel do Ministério Público Militar (MPM) também foi deplorável. No julgamento de 1981, votando em sessão aberta do STM, declarei que em todas manifestações daquele órgão, tanto em primeira como em segunda instância, observava-se, claramente, a preocupação de obscurecer a verdade e colocar uma pedra em cima do IPM. Disse, também, que o capitão Machado não poderia deixar de ser ouvido em uma auditoria como acusado, a menos que o MPM fosse levado ao descrédito.
E foi o que aconteceu naquele julgamento de 81 e no de 85, quando o procurador-geral declarou haver "novas provas" e "fatos de suma relevância", que, apontados por informantes, "de forma precisa e convincente indicaram novos elementos de convicção". Com declarações de testemunhas idôneas, tomadas por termo em auditoria militar, o MPM se plantou; não houve novo inquérito nem denúncia.
No julgamento de 1987/88 ainda foi pior. Com as publicações da carta do general Golbery ao presidente Figueiredo e das declarações do cel. Leo Cinelli, mais o depoimento prestado pelo cel. PM-RJ Ile Marlen Pereira Nunes à CDH da OAB-RJ, tudo transmitido pelo ministro Brossard ao STM, com abundantes provas, parecia não haver escapatória. Mas... como ficariam todos os procuradores militares que, desde a instauração do IPM e os julgamentos de 81 e 85, vinham poitando o assunto?
A Procuradoria Geral, então, deu um jeitinho, usando como tábua de salvação a emenda constitucional nº 26, de 27/11/85. A anistia de 1979 não contemplou os condenados por terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal; a EC nº 26 ampliou a anistia para os condenados por esses crimes. Entretanto, o parágrafo 2º do artigo 4º manteve o período da anistia, "compreendido entre 2/9/1961 e 15/8/1979".
Em seu parecer, a Procuradoria Geral opinou no sentido de ser indeferida a representação, em virtude da EC nº 26, induzindo o STM à decisão constante do acórdão de 15/3/88, que declarou "de ofício extinta a punibilidade dos autores do fato delituoso, pela ocorrência da anistia prevista no parágrafo 1º do artigo 4º da emenda nº 26 (...)". O parágrafo 2º do mesmo artigo foi mandado às favas!
O crime não prescreveu. A anistia não é aplicável ao caso; a decisão do STM tomada em 1988 contraria a lei e a emenda constitucional nº 26. Baldados os esforços no sentido de apontar os criminosos e diante do comportamento que se seguiu da Procuradoria Geral da Justiça Militar, bem andou a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados solicitando a ação do procurador-geral da República.

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