São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Brasil, a Alca e as eleições americanas

LUIZ A. P. SOUTO MAIOR

As eleições para a Presidência e o Congresso dos Estados Unidos tornam-se inevitavelmente acontecimentos mundiais. Em todos os países, cria-se uma certa expectativa quanto aos novos rumos que o resultado do pleito pode imprimir às políticas interna e externa da grande potência americana.
No caso do Brasil, que não tem um contencioso político com Washington, tais especulações tendem a concentrar-se na área econômica.
A percepção dominante -e não apenas no Brasil- é que os democratas seriam protecionistas, enquanto os republicanos favoreceriam o livre comércio. Nesse sentido, o desfecho das últimas eleições deveria ser motivo de satisfação para o nosso país, que se ressente de restrições impostas ao ingresso no mercado americano de produtos importantes da nossa pauta de exportações.
Foi eleito um presidente democrata, mas o Congresso continua dominado pelos republicanos. Em tais condições, não haveria, de acordo com a visão dominante, maior probabilidade de novas restrições às nossas exportações.
Como frequentemente acontece, porém, com as percepções internacionais do grande público, esta também reflete uma simplificação algo distorciva. Na verdade, contém mais de uma distorção.
O teste mais frequentemente mencionado pela imprensa semi-especializada para avaliar o liberalismo econômico de um ou outro parlamentar americano é a sua posição em relação ao Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) ou à Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Apoiá-los seria favorecer o livre comércio, opor-se a eles representaria protecionismo.
Por circunstâncias que não seria possível analisar neste artigo, o teste pode até resultar, muitas vezes, numa avaliação correta da orientação do congressista, mas o raciocínio que o inspira é falacioso.
Por definição, uma área de livre comércio só libera o intercâmbio entre os países que a integram. Implica, pois, uma discriminação contra os demais. Isso não é uma condenação das áreas de livre comércio, justificáveis ou mesmo desejáveis em muitos casos -é apenas uma descrição. Mas o fato é que um protecionista pode favorecer a participação do seu país numa área de livre comércio. Ou um livre-cambista opor-se a ela. Não há qualquer contradição.
Há poucos meses, um alto funcionário do governo Clinton dizia que a "solução real" para os problemas de acesso de alguns produtos brasileiros ao mercado americano só seria encontrada com a negociação da Alca.
Revelava-se, pois, protecionista (o que estava conforme a imagem corrente dos democratas), mas defensor da área hemisférica de livre comércio. Por outro lado, o Congresso dominado pelos republicanos (supostamente defensores do livre comércio) negou ao presidente Clinton (democrata e, como tal, presumivelmente protecionista) autorização para negociar pela via rápida ("fast track") um acordo de livre comércio com o Chile.
Em suma, nem o apoio à Alca ou ao Nafta, por si só, dá a ninguém certificado de liberalismo comercial nem as diferenças entre democratas e republicanos são, no particular, tão marcadas quanto os respectivos estereótipos fazem crer.
Mais importante, porém menos encorajador é, entretanto, que a liberdade de comércio só prosperou internacionalmente quando foi advogada por alguma potência suficientemente competitiva para dela beneficiar-se e suficientemente forte para impô-la aos demais. Foi o caso dos Estados Unidos logo depois da 2ª Guerra Mundial, como fora antes o da Grã-Bretanha.
Assim, o proselitismo dos Estados Unidos em favor do regionalismo econômico -do qual o Nafta e a Alca são exemplos- não encontra raízes na distribuição de forças partidárias, mas na perda da sua hegemonia econômica. Já que não era mais possível dominar a economia mundial, cabia tentar o domínio da regional.
Tal visão estratégica, aparentemente partilhada por Reagan e Bush, republicanos, assim como por Clinton, democrata, nem sempre é percebida, porém, por congressistas dos dois partidos. Daí a recusa da "fast track authority". É uma pena para os estrategas de Washington, mas talvez não tanto para nós...

Texto Anterior: País sem Orçamento
Próximo Texto: Menem reduz poder dos sindicatos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.