São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 1996
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"Ator simbolizou uma era", diz Taviani

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Marcello é um dos símbolos de uma era em que o cinema italiano pensava grande, exprimia grandes idéias e revelava grandes talentos."
Para o cineasta Paolo Taviani, 65, é impossível dissociar Mastroianni do cinema italiano. É como se com o ator morresse uma parte daquela Itália que o mundo admirou por mais de três décadas.
Paolo, que junto com o irmão Vittorio dirigiu Mastroianni no filme "Allonsanfan" (1974), falou à Folha anteontem sobre a morte de "Marcello". "Falo com dor, mas também com alegria, pois é justo que se recorde esse grande ator".
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Folha - O que o sr. pode dizer sobre Mastroianni?
Paolo Taviani - Pensar o cinema italiano e mesmo o cinema mundial sem Marcello Mastroianni é difícil, quase impossível. Ele foi um dos maiores atores do século.
Claro que há vários grandes atores, mas ele era particular. Muitos precisam de variados recursos para poder se exprimir. Estudam o personagem, exigem muito da produção etc. Marcello era um ator de uma grande simplicidade.
Há atores que se destacam em alguns gêneros. Ele fez de tudo. Era bom no cinema trágico, no drama, mas também na comédia, na farsa.
Folha - Era um símbolo italiano?
Taviani - Por sua versatilidade, ele atuou com todos os principais diretores italianos, em todos os gêneros. É um dos símbolos de uma era em que o cinema italiano pensava grande, exprimia grandes idéias e revelava grandes talentos.
Hoje o cinema italiano pensa pequeno, até por dificuldades financeiras. Os talentos ficam sufocados. Mas há um novo governo aqui e a esperança é grande.
Folha - Que filmes de Mastroianni o sr. destacaria?
Taviani - Penso de cara em "Oito e Meio", em que Marcello personifica o alter ego de Fellini. É um personagem muito simples e profundo. O filme e a atuação de Marcello estão entre os principais momentos da história do cinema.
Mas penso também em "Divórcio à Italiana", aquele lado grotesco da Itália. O filme é característico de uma certa imagem do Marcello, o "latin lover" bonachão, pela qual ele tinha repulsa e simpatia.
Folha - Como foi o trabalho com ele em "Allonsanfan"?
Taviani - Na época ele estava trabalhando pouco, meio esquecido pelos produtores italianos. Estava apaixonado por Catherine Deneuve e morava na França. Ficou emocionado por voltar a trabalhar na Itália.
Houve um pouco de embaraço no começo. Ele começou atuando como se estivesse num filme de costumes. Observamos isso e ele fez o diagnóstico correto. Disse: "Sei, essa é uma história contemporânea, e vou ser contemporâneo". Tinha uma intuição forte.
Eu e meu irmão estávamos começando, tínhamos dúvidas e angústias. Após a primeira semana, perguntamos a ele o que estava achando do filme. "É muito cedo. Estamos só começando. É preciso procurar o filme ainda", disse. Depois da terceira semana, disse a mesma coisa. No último dia, disse apenas: "Um filme nunca está pronto. O trabalho nunca termina. Um dia temos que projetá-lo, mas antes não se pode parar de procurar". Foi uma lição de cinema.

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