São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 1996
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Troianas

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Tenho por norma não questionar os leitores que, com bons ou maus motivos, discordam do cronista e expressam essa discordância em cartas, faxes ou telefonemas. A grossa maioria diz respeito a opiniões e não a fatos.
Em geral, quando se responde a essas discordâncias, o jornalista com direito de resposta tende à truculência. Afinal, fica sendo dele a última palavra. O melhor mesmo é não polemizar com o leitor.
Mas há questionamentos de fatos e aí a obrigação do cronista é aceitar ou negar a informação do leitor -que geralmente está certo. Ninguém se dá ao trabalho de escrever uma carta, enfrentar a caixa do correio, gastar o dinheiro do selo -se não tiver certeza do que está corrigindo. Pelo menos, é assim que penso.
Dou razão a dois ou três leitores que em carta à Redação, muito respeitosamente -é bom que registre-, me ensinaram que Heitor não é irmão de Helena. Tudo bem. Tendo como base o texto de Homero, os leitores estão certos.
Contudo, por força de uma educação que o obrigou a estudar grego mais do que o devido (um defeito na fala o impediria de rezar missas em latim, caso se ordenasse padre), o cronista fuçou muitos textos paralelos sobre a guerra de Tróia.
Sabemos como os deuses e os homens na velha Grécia funcionavam. Eram todos incestuosos. Ao contrário dos cristãos, que séculos depois iriam tentar se amar uns aos outros, os gregos comiam-se uns aos outros. Pai comia filha, filho comia mãe, irmãos comiam-se entre si, a confusão era geral.
Como poeta, Homero simplificou as coisas. Ele queria dar o seu homérico recado. Mas há outros relatos, anteriores e posteriores a Homero, que garantem ser a lendária Tróia uma mistura tal e tamanha que todos eram irmãos entre si. Havia casos em que o sujeito era tio e sogro de si mesmo. O espaço da crônica, como a vida, é breve. A arte é longa.

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