São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pescadores criam 'justiça paralela' no CE

PAULO MOTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ICAPUÍ (CE)

Inconformados com a inoperância do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) e da Justiça, pescadores da comunidade de Redonda, em Icapuí (200 km a leste de Fortaleza), criaram um tribunal paralelo para punir os casos de pesca ilegal de lagosta.
O Ibama considera ilegal o uso de compressor (equipamento de pesca que destrói o habitat da lagosta) e a pesca da lagosta miúda (espécime imaturo). A multa prevista para a infração varia de R$ 200 a R$ 2.000,00.
Anualmente, a pesca da lagosta fica proibida de 1º de janeiro a 30 de abril, no período chamado de "defeso", considerado pelo Ibama como ideal para a reprodução da espécie.
A fiscalização da pesca da lagosta é de responsabilidade do Ibama, que dispõe de apenas 20 fiscais para vigiar os 573 km do litoral cearense. Em Redonda, não existe polícia, e a juíza de Icapuí só vai à cidade uma vez por semana.
A pesca da lagosta é considerada a principal atividade econômica de Icapuí, município que é administrado pelo PT há 14 anos.
Em Redonda, cerca de 500 pescadores dependem da atividade.
Guerra da lagosta
O presidente da Associação de Moradores de Redonda, Raimundo Sampaio Braga, 36, conhecido por Kamundo, diz que o "Tribunal Popular de Redonda" surgiu como decorrência da chamada "guerra da lagosta", episódio desencadeado a partir de 1989.
Naquele ano, um grupo de moradores de Redonda muniu-se de armas artesanais e resolveu expulsar pescadores do vizinho Estado do Rio Grande do Norte que pescavam com compressor em seu território, em alto-mar.
Apesar de o conflito ter resultado em uma morte, denúncias de pesca ilegal continuaram sem que o Ibama demonstrasse força para coibi-las. Em 1992, uma nova batalha da "guerra da lagosta" resultou em mais uma morte.
"No ano passado, resolvemos criar um tribunal para denunciar os casos de pesca ilegal praticados por forasteiros e para julgar os conflitos internos de nossa comunidade", diz Kamundo.
Os seis "juízes" que compõem o "Tribunal Popular de Redonda" foram escolhidos entre os cerca de 400 pescadores que compareceram a uma assembléia geral da comunidade, realizada no dia 6 de agosto de 1995.
Na assembléia, os pescadores delegaram poderes para que o tribunal julgue e puna os que pescarem lagosta ilegalmente ou praticarem pequenos furtos de equipamentos de pesca nos 225 quilômetros quadrados que compõem a área de pescaria de Redonda.
São considerados infratores também os que desrespeitarem normas definidas pela comunidade, como, por exemplo, a proibição da pesca aos domingos.
Confisco de equipamento
O presidente do "tribunal", Antônio da Rocha Lima, 47, que é também presidente da Colônia de Pescadores de Redonda, diz que as punições previstas são basicamente duas: a suspensão do direito de pescar por até 30 dias e o confisco dos equipamentos do pescador.
Os casos mais graves e os infratores que reincidirem seguidamente no erro são encaminhados para a Delegacia de Polícia de Icapuí (15 km a leste de Redonda).
Os julgamentos ocorrem na escola da comunidade e a defesa é feita pelo próprio acusado. Caso discorde da sentença, o acusado pode convocar uma assembléia da comunidade para recorrer.
A fiscalização das ocorrências é feita num barco comprado pelos pescadores, em parceria com entidades governamentais. A manutenção do barco é feita a partir de doações dos pescadores.

Texto Anterior: Para FHC, decisão 'é do Congresso'
Próximo Texto: Juíza aprova a iniciativa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.