São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Sangue fervente de notas musicais

BERNARDO AJZENBERG

Secretário de Redação As crianças já tinham exibido seus talentos e trejeitos, quando a dona da escola de música anunciou Cida Moreyra. Nós, pais, ali estávamos apenas para conferir o resultado do nosso investimento emotivo-educacional e bebericar alguma coisa entre doces e salgados -ninguém esperava ganhar uma cantoria improvisada.
Então, como se adentrasse o palco de um grande teatro, entre cadeiras arrastadas e berrinhos de criança, Cida Moreyra sorriu, sentou-se ao piano e, sem microfone ou iluminação especial, começou a cantar "Balada do Louco", de Arnaldo Baptista e Rita Lee. Foi um estrondo, uma explosão artística que dava a impressão de não caber naquele pequeno galpão.
Emendou depois um Brecht- Kurt Weill histriônico e tonitruante, arrebatador ("quem chora por amor é um imbecil..."), e, enquanto os espectadores menores pareciam tremer de susto, pais e avós se mostravam boquiabertos.
Cida Moreyra é essa voz arrasadora, de feição "descaradamente teatral", como disse certa vez Zé Rodrix, sendo as do piano meras extensões de suas cordas vocais.
Caso particular no chamado cancioneiro pátrio, alia com radicalidade a música e o teatro, sem cair no patético. Seu repertório, absolutamente próprio, ora intimista ora expressionista, com canções de Bob Dylan a Paulinho da Viola, passando por Cole Porter e Caetano Veloso, e por aí afora, é variado e surpreendente, com a unidade garantida pelo bom gosto.
Difícil pensar em outra cantora, no Brasil, que pudesse, como Cida, gravar um disco inteiro com as magistrais canções da dupla Brecht/Weill, ou interpretar de modo tão claramente antológico a canção "Geni e o Zepelim", de Chico Buarque, sozinha ao piano.
Saída dos porões do Lira Paulistana ao final dos anos 70, com passagens anteriores pelo teatro (inclusive o grupo Ornitorrinco), Cida Moreyra tem notas musicais fervilhando no sangue. Basta um piano ou um acordeom na frente dela para que o show se faça.

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