São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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Diabinha em cena

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não faz parte do meu show. Mas espio de esguelha seu caminho, desde quando fazia das quadras de basquete seu palco. Aquela figura esbelta, perfil talhado a cinzel, um olhar de mel e madeira. Jogava bem, a diabinha. E provocava um encanto ambíguo, como se a tentação ficasse congelada entre o arremesso e a cesta.
Depois, Simone trocou as bolas e o cenário, mas as luzes aumentaram de intensidade. E soltou a voz, que nunca se firmou, sobretudo nos tons mais altos, onde vagueia incerta e até temerária. Mas o sotaque levemente abaianado e as canções com gosto de terra eram o álibi perfeito. Como se trilhasse os caminhos abertos por Bethânia -o que nos anos 60 costumava-se cunhar de telúrico-, Simone foi variando de Edu Lobo a Tom Jobim, de Vinicius a Chico, e construiu seu espaço próprio.
Confesso não ter na prateleira nenhum disco seu. Mas isso não quer dizer muita coisa. Afinal, há tantos espaços vazios ali... Basta dizer que também não guardo nenhum disco da Elis. E Elis foi, seguramente, a mais completa de nossas intérpretes. Não só porque cantava com a afinação de um instrumento, como era dona de um repertório inesgotável, que navegava do mais puro brega ao mais fino e avançado experimentalismo. Mas, principalmente, porque quando assumia o palco, a pequenina crescia, crescia, virava simplesmente tudo. Era um ato de hipnose, claro. E é nessa inversão mágica que Simone lembra Elis. Quando entra em cena.
Quando entra em cena, em vez de impor seu atlético porte, aconchega-se. E o que brilha são dois olhos de mel e madeira.

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