São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
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A medida exata

LUIZ TATIT
ESPECIAL PARA A FOLHA

Paula Toller é a medida. Nem mais nem menos. Divisão rítmica, volume e extensão de voz, nada excede e nada falta. É ouvir e acreditar em tudo que ela diz, ou melhor, em tudo que ela canta. Ela canta como quem diz alguma coisa, e o que menos importa é o teor da mensagem. E tem mais. É autora da maioria das letras de seu repertório, na mais completa tradição de Rita Lee. E compõe como canta, na medida.
Há cantores formidáveis que emprestam sua voz a uma determinada canção, nova ou consagrada, realizando o que chamamos de interpretação, ou seja, uma leitura (ou audição) e uma execução original da obra. Há outros, cuja voz e dicção engendram um estilo de composição e todo um repertório que só existem em virtude desta voz e desta dicção.
Em vez de termos uma composição que estimula a execução, nesse caso é o modo de cantar que influencia o modo de compor. Carmen Miranda, Mário Reis, João Gilberto e Rita Lee, apenas para citar alguns clássicos, pertencem a esta última categoria de intérpretes.
Paula Toller também. Daí seu completo entrosamento com a banda Kid Abelha, que representa o mundo musical que ela criou. Não é o caso de pedir que ela cante nossas canções consagradas, aquelas de todas as épocas, só para ver como ficam em sua dicção.
Pode até dar bom resultado, mas isso não faz o seu gênero. Dirige-se a um público cujo gosto está mais para o sabor que para o saber, que curte a linguagem e não a metalinguagem, que só acredita na letra a partir da melodia e do arranjo musical.
Talvez seus parceiros e companheiros de trabalho, ótimos cancionistas por sinal, não saibam o quanto contribuíram para a concepção e o acabamento do estilo Paula Toller de cantar. Ou talvez saibam e por isso caprichem tanto na realização de cada novo álbum.
A propósito, vale a pena ouvir a faixa "Apenas Timidez" do último CD da banda. Além da beleza da canção como um todo, é interessante observar os experimentos espontâneos da letrista-cantora. A mesma melodia que, no início, surge recortada por 14 sílabas ("Soltando a minha voz aguda e rouca pelo ar") reaparece depois subdividida em nada menos que 23 sílabas ("Escrevendo a cada dia uma página da minha futura biografia"). E Paula desliza sobre elas como se não houvesse qualquer alteração.
Em sua voz, tudo fica na medida.

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