São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996 |
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'Milosevic nos pôs máscara de assassinos'
LÚCIA MARTINS
"Milosevic (o presidente Slobodan Milosevic) nunca nos consultou sobre nada e colocou uma máscara de assassinos nos nossos rostos. Fomos apresentados como pessoas que fazem limpeza étnica, como assassinos, mas não somos. Quem fez isso foi ele e seu Exército", disse à Folha. O presidente da Sérvia foi o principal apoio que os sérvios da Bósnia tiveram durante o conflito contra muçulmanos e croatas. Milosevic deu dinheiro para a compra de armamentos e alimentou o conflito bósnio com grandes doses de nacionalismo. Mais tarde, pressionado, foi obrigado a voltar atrás e assinar o acordo de paz em nome de seus protegidos. Há mais de um mês, Draskovic, 54, lidera os protestos diários em Belgrado (capital) contra o socialista Milosevic, promovidos pela coalizão Zajedno (Unidos). Os três partidos que formam o grupo exigem que o presidente volte atrás em sua decisão de anular as eleições de 17 de novembro. Em 15 cidades onde a oposição venceu, Milosevic afirmou que houve irregularidades e reverteu os resultados a seu favor. A mensagem de Draskovic é sempre a mesma e inflexível: "Não voltaremos atrás. Não negociaremos. Queremos nossa vitória reconhecida". Com barba e cabelos compridos, Draskovic se comporta como um escolhido por Deus. Usa muitas metáforas, seus discursos são semelhantes a passagens da Bíblia e Jesus Cristo é sempre citado. Em seu gabinete, há uma imagem da Virgem Maria segurando Jesus Cristo. Na última quinta-feira, seu discurso foi intitulado "Cristo e a menina", e ele distribuiu pão e vinho para a população. Formado em direito, Draskovic trabalhou como jornalista e é autor de seis livros sobre a história da ex-Iugoslávia. Ele dirige há seis anos o maior partido de oposição, o Movimento de Renovação da Sérvia. Seu grande mérito, mesmo para os seus críticos, foi ser um dos primeiros a criticar o comunismo. Essa imagem lhe rendeu duas prisões durante a guerra, com direito a sessões de tortura. O principal objetivo de Draskovic hoje é ser visto como um pacifista. "Queremos mudar o país sem violência." Leia a seguir os principais trechos da entrevista que o líder da oposição sérvia concedeu à Folha na última sexta-feira, minutos antes de fazer seu discurso diário no centro de Belgrado. * Folha - Qual é o seu objetivo com essas manifestações diárias? Vuk Draskovic - O reconhecimento da vitória da oposição nas eleições é só um ponto. Acho que tenho uma missão neste país, que é a de reconstruir o Estado de direito. Substituir as regras usadas por Milosevic, que controla tudo, a polícia, o Exército, o Banco Central, por uma sociedade mais livre. Milosevic e sua mulher (Mirjana Markovic) formam uma espécie de "ditadura da cama" nesse país e isso tem de acabar. Folha - Como fazer isso? Draskovic - Chamando a atenção do mundo com movimentos pacifistas. Esse não é um movimento nacionalista. É um movimento pró-Europa. Estamos tentando denunciar as violências que ocorreram nesse governo, a limpeza étnica e os crimes de guerra. Tudo sem violência. Queremos mudar a imagem deste país. Nosso objetivo é que a Sérvia se aproxime da Europa e se afaste do Iraque, Líbia, Coréia do Norte e China. Folha - Os Estados Unidos e a Europa estão ajudando? Draskovic - No início, eles não entenderam muito bem. Mas agora está ficando mais claro que queremos fazer da Sérvia uma instituição européia. Somos a favor do livre mercado, da polícia e do Exército livres, assim como defendemos a liberdade de imprensa. Estamos lutando para que todos os criminosos de guerra sejam julgados pelos tribunais internacionais. Acreditamos que só com o julgamento desses crimes poderá haver reconciliação entre os diferentes povos que vivem aqui. Também queremos que os refugiados possam voltar para suas casas. Folha - Essa vontade de "limpar" a imagem é uma idéia fixa no país hoje, não é? Draskovic - Sim. E acho que estamos conseguindo. Durante os últimos anos, Milosevic, que nunca nos consultou sobre nada, colocou uma máscara de assassinos nos nossos rostos. Fomos apresentados para o mundo como criminosos, como pessoas que fazem limpeza étnica. Sabemos que não somos assassinos. Folha - E quem são? Draskovic - Milosevic e seu Exército. Não acredito em culpa coletiva, mas individual. E essas pessoas têm de pagar por seus crimes. Acho que Milosevic e seu grupo deveriam responder pelo que fizeram, e a maioria da população concorda. O momento agora é de respeitar o acordo de Dayton (que acertou a paz entre os países que participaram da guerra na Bósnia) e de punir os criminosos de guerra. Folha - Há riscos de que essa crise se transforme em uma guerra civil? Draskovic - Não. Mesmo que Milosevic quisesse, ele não teria o apoio de sua polícia, que está dividida. Muitos policiais não atirariam na população. Além disso, Milosevic não quer começar outra guerra. Seria ruim para sua imagem, e ele sabe disso. Folha - O que ele vai fazer? Draskovic - Esperar e, como nós não vamos ceder, ele (Milosevic) terá de voltar atrás na anulação das eleições. Texto Anterior: Paciente não quer abandonar coquetel Próximo Texto: Alunos têm 'polícia' própria para evitar violência Índice |
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