São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marcello Mastroianni

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Ao contrário de outros monstros do cinema, que sempre foram mais ou menos os mesmos (John Wayne, Humphrey Bogart, Jean Gabin, Fred Astaire, Laurence Olivier), ele se perdia no papel de tal forma, com tamanha verdade, que muitas vezes ficava irreconhecível.
Jornalista em Roma, escritor em Milão, Casanova em Veneza, turco em Ilhéus, estrangeiro em Alger, diretor de cinema e alter ego de Fellini, herói, covarde, corno, homossexual, impotente, galinha -dava a impressão de não recusar nenhum papel, nem mesmo o do português Pereira, num de seus últimos trabalhos.
Conquistou a platéia mundial com dois filmes de impacto: "A Doce Vida" e "8 1/2" -que costuma frequentar a lista dos melhores filmes de todos os tempos. Foi mendigo piolhento e repugnante em "Dramma della Gelosia", nunca deixou de ter um charme especial, o cafona, mas fulminante charme latino, herdando-o de Valentino -que acabou vivendo na tela.
Extraordinária a alegria com que trabalhava, a tal ponto de ser recusado por Visconti para fazer "Morte em Veneza". Ele já estava quase contratado para o papel do músico angustiado, mas Visconti pensou melhor e o dispensou, preferindo Dirk Bogarde. O diretor se explicou: "Marcello seria melhor, mas eu queria um ator que, mesmo sem estar em cena, fosse um angustiado. Seria impossível manter o clima durante as filmagens, em cena ele era perfeito, soberbo, mas quando eu mandava cortar, Marcello logo queria comer pizza".
Topava a chanchada com o mesmo entusiasmo com que fazia Pirandello ou Camus. Na Fontana di Trevi criou o logotipo dos anos 60. Não dava a impressão de estar trabalhando ou compondo um tipo. Parecia brincar com o cenário e com o mundo -mundo que teve nele um tipo universal. Pobres e ricos, belos e feios o compreendiam e o perdoavam. Foi maior do que todos os papéis que interpretou.

Texto Anterior: Um bom teste para FHC
Próximo Texto: Trinta meses de Real
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.