São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
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Doce rematerialização

VINCENT KATZ
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

A comida tem sido com frequência um tema para a arte -das pinturas egípcias relativas a práticas de caça e agricultura às naturezas-mortas holandesas ou às latas de sopa Campbell de Andy Warhol. Ela pode ser, também, uma maneira de mostrar opulência, um requisito sofisticado para qualquer pessoa poderosa; além de um sinal de sensualidade, ao lado do vinho e das mulheres. Recentemente, as leituras psicossexuais da comida adquiriram um papel na arte, inclusive com conotações sociais. O chocolate, como um provedor de prazer -e não de sustento alimentar- teve aparições interessantes.
Janine Antoni, uma jovem artista americana, usou materiais pouco usuais para se distanciar das formas tradicionais de fazer arte. Preparou uma performance na qual "pintava" um assoalho usando o próprio cabelo como "pincel". Fez também medalhões de ouro na forma de mamilos e criou dois auto-retratos, um busto feito de gordura, o outro, de chocolate. A gordura serviria para ser usada na cozinha, o chocolate, para ser lambido ou comido.
Nestas peças, Antoni usa tais materiais para examinar como nós nos apresentamos: nós somos a utilitária gordura ou o decadente chocolate? Claro que as duas coisas estão ligadas, já que quem come muito chocolate vai ganhar excesso de gordura. Como na mídia, itens prejudiciais para a saúde mental ou física de qualquer um são apresentados em termos muito sedutores.
Helen Chadwick, uma artista britânica que surgiu na 22ª Bienal de São Paulo, em 1994, também trabalhou com o chocolate. Assim como Antoni, Chadwick não usa a imagem do chocolate, mas o próprio. Na Serpentine Gallery de Londres, em 1995, reapresentou o imenso tanque do produto borbulhante que mostrara na Bienal, semelhante aos que se pensa encontrar em uma fábrica de chocolate. Sentia-se o delicioso aroma desta obra de arte, o que aumentava sua sensualidade.
O aspecto visual provocava, porém, uma desilusão. O chocolate líquido, ondulante, tinha uma aparência repugnante, parecendo mais fezes do que um doce. Chadwick dava a impressão de querer diminuir (ou ao menos igualar) as expectativas. O mesmo poderia ser dito de suas flores fotográficas, as "Bad Blooms", que se assemelhavam a orifícios do corpo humano.
A mais nova "chocolatière" da arte é Julia Jacquette, que, recentemente, teve sua primeira exibição em Nova York, na Holly Salomon Gallery. Ela faz pinturas precisas de sobremesas altamente calóricas, às quais ela apõe palavras que formam frases como "Eu quero saber que gosto tem sua boca". Jacquette dispõe cuidadosamente das travessas com bolos, pudins e bombas de chocolate e os "religieuses" obviamente brincam com os significados sociais da embalagem sexual, deixando, porém, espaço à mente para vagar por fantasias estritamente sibaríticas.

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