São Paulo, segunda-feira, 5 de fevereiro de 1996
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Supergasoduto é o Sivam da Petrobrás

EMANUEL NERI; ANA MARIA MANDIM
DA REPORTAGEM LOCAL

O megaprojeto do governo Fernando Henrique Cardoso para construir um gasoduto de 3.000 quilômetros ligando a Bolívia ao Brasil é considerado uma operação de alto risco. Pode transformar-se em usina de queimar dinheiro.
Orçado em US$ 1,8 bilhão, mas com um custo final que pode chegar a US$ 5 bilhões, o projeto é visto como o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) da Petrobrás. É criticado por técnicos da empresa, pelo Banco Mundial e por auditores internacionais.
"Estamos comprando uma ilusão", diz o ex-ministro Jarbas Passarinho. Para ele, o gasoduto poderá repetir a experiência do país com megaprojetos fracassados, como a Ferrovia do Aço e as usinas nucleares de Angra dos Reis. "Não somos tão ricos assim para ficar jogando dinheiro fora."
"Estamos diante de um novo caso Sivam", diz Fernando Siqueira, presidente da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás). Para ele, o contrato do gasoduto envolve pressões externas e falhas técnicas no projeto.
Também há furos quanto à transparência administrativa. O banco Credit Suisse First Boston foi contratado sem licitação no governo Fernando Collor para fazer o projeto de viabilidade financeira da obra. O contrato com o banco sobreviveu aos governos Itamar Franco e Fernando Henrique.
Na parte técnica, a principal questão é o tamanho das reservas de gás boliviano.
A Petrobrás, por exemplo, fala na existência de 115 bilhões de m3 em reservas -desse total, apenas 90 bilhões são reservas comprovadas. O restante é a chamada reserva provável -por confirmar.
O próprio superintendente do gasoduto na Petrobrás, Antonio Menezes, reconhece que as informações fornecidas pela Bolívia sobre suas reservas eram imprecisas.
Quando entrar em funcionamento, o gasoduto prevê o fornecimento de 8 milhões de m3/dia durante oito anos, e 16 milhões durante 12 anos. Feitas as contas, devem ser fornecidos 93,44 bilhões de m3 em 20 anos.
Só aí já existe risco de abastecimento para o Brasil. Da Bolívia também sai gás para consumo interno, para reinjeção nos poços petrolíferos bolivianos e para exportar 6 milhões de m3 diários para a Argentina.
"Com um investimento deste porte não se pode trabalhar com hipóteses", diz o engenheiro Carlos Walter Marinho Campos, ex-diretor de Exploração da Petrobrás. "Ficaremos na dependência de encontrar novas jazidas."
Ao analisar o tamanho das reservas, o consultor do Banco Mundial Fernando Zúñiga y Rivero chegou à conclusão de que a insuficiência de reservas transformava o projeto em um risco financeiro que nem o banco poderia correr.
À mesma conclusão chegou a auditora americana Morgan Grenfell em sua avaliação do projeto.
Outra falha é a demanda do gás do Brasil. O país não consome nem o gás que produz. Com reservas superiores às da Bolívia -137 bilhões de m3 comprovados-, o mercado brasileiro consome maciçamente óleo combustível e energia elétrica. Há cinco anos, o gasoduto que liga a bacia de Campos a São Paulo transporta menos da metade dos 6 milhões de m3 de sua capacidade.
Por falta de consumo, há gás sendo queimado em quase todas as áreas petrolíferas do país. Para os críticos do gasoduto, o mercado não tem condições de se desenvolver com rapidez suficiente para consumir tanto gás.
Uma cláusula do contrato do gasoduto obriga o Brasil a pagar diariamente por 80% do gás previsto para ser fornecido -8 milhões de m3 nos primeiros anos- mesmo que não consuma essa quantidade.
Outro problema é o preço pelo qual o gás boliviano vai chegar para os grandes consumidores.
Robert Gross, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Gás, diz que o gás boliviano vai chegar às concessionárias por R$ 2,70 por milhão de BTU (unidade de medida de energia). O gás nacional é entregue hoje por R$ 2,40. "Esse é um problema a resolver", diz Gross.
Após a assinatura do contrato, a Bolívia subiu o preço do gás -passou de R$ 0,90 por milhão de BTU para R$ 1,00. Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás, o gás chegará ao grande consumidor por US$ 3,55 por milhão de BTU. Os pequenos consumidores pagarão mais de R$ 20,00 por milhão de BTU.

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